A passagem de ano e os “milagres” de verão
Todos os anos por esta altura são denunciados fenómenos anómalos nas escolas portuguesas. A dias de terminar mais um ano letivo, não é difícil começarmos a ler nas diversas redes sociais a indignação de muitos, a conivência de outros tantos e o conformismo dos restantes perante as avaliações.
Nesta altura, já só não vê quem não quer. Aquilo a que se assiste diariamente no ensino, sobretudo nesta altura de final de ano letivo, quando se avaliam os alunos e se decide se são aprovados ou não para o ciclo seguinte, é uma verdadeira farsa.
Na maior parte dos estabelecimentos de ensino, perante a lei que os rege, um aluno que tenha uma classificação negativa, independentemente das causas, é presenteado por um plano, pode ser de recuperação, acompanhamento ou de intervenção.
Mesmo sendo inegáveis as boas intenções deste tipo de medidas, não deixam de ser perniciosas quando se ignoram as causas dos maus desempenhos dos alunos e se aplicam indiscriminadamente, agindo apenas nas consequências, a todos os alunos com desempenho escolar negativo. Para os alunos que, de facto, mesmo cumprindo todos os requisitos que lhes permite adquirir conhecimento, tal como frequentar as aulas, ser disciplinado, empenhar-se, não conseguem atingir os objetivos mínimos, todos os esforços devem ser feitos pois podem precisar efetivamente destes planos e com eles podem beneficiar e obter melhores resultados.
Para os alunos que, pelo contrário, mostram total desprezo pela escola, faltam demasiadas vezes e quando aparecem, fazem-no em modo displicente, muitas vezes prejudicando o bom funcionamento das aulas, empenham-se zero e têm constantes falta de material, não me parece justo que se gastem recursos pedagógicos ou se façam planos, que são demasiadas vezes reajustados para que no final do dia seja mais um caso de sucesso ao invés de serem os alunos, num compromisso de empenho, a fazer um esforço por ele próprio e cumprir o planeado.
Naturalmente que não se pede um abandono destes alunos, já que as causas podem ser diversificadas e deverão ser referenciadas para que os especialistas, aqueles que faltam nas escolas, possam ajudar a montante para que o aluno assim que entre na sala de aula possa estar em perfeitas condições físicas e psicológicas e com predisposição para envolver-se no processo de ensino-aprendizagem.
Não é justo para nenhum dos outros alunos que convivam com estes colegas, mas sobretudo não é justo para os próprios, que recebem desde cedo indicações erróneas de como na vida se pode obter progresso, criando uma ilusão, muito em voga, de que ninguém fica para trás, fazendo ou não esforço. Obviamente, ninguém deve ficar para trás. Mas parece-me claro que aqueles que nada fazem para avançar devem perceber as consequências dos seus atos, não como castigo, mas como processo de aprendizagem e construção da sua identidade. Isto é válido também do ponto de vista de valorizar os esforços dos demais. Isto é o que muitas vezes falha na análise que se faz ao sucesso educativo, preferindo a ilusão dos números que nos dizem que cada vez menos alunos ficam para trás, do que efetivamente os dados reais.
Considero que o verdadeiro deixar para trás é deixar avançar sem competências para o fazer. Quanto mais se avança sem adquirir o mínimo, mais se vai afastando da realidade e por conseguinte mais para trás se vai ficando.
Devemos, com certeza, tentar perceber porque é que haverá tantos alunos em situação de retenção, quais as causas a montante, contextos sociais e familiares, e quais as dificuldades a jusante, falta de recursos na escola. Mas isso não pode justificar tudo!
Não me lembro de ter conhecido nenhum professor, mesmo aceitando que possa haver, que retenha alunos por gosto. Fá-lo-á seguramente considerando aquilo que é o melhor para aquele aluno e sua circunstância. Reter ou passar um aluno é a maior parte das vezes querer o bem dele. Também não conheço nenhum, que simpatize com a ideia de que em nome da inclusão se retire o mérito, o empenho, o esforço e a dedicação do processo de ensino-aprendizagem.
Baixar a fasquia global para combater as desigualdades é uma falácia. Há que dizê-lo com frontalidade. Talvez se consiga estatisticamente uma melhoria, mas na prática fica tudo ainda pior.
O combate às desigualdades faz-se com rigor e exigência em conjunto com medidas específicas de apoio. Tutorias, bolsas de estudo, mesmo no 1.º ciclo, ação concreta na ajuda de problemas de desigualdade social. Não com narrativas erróneas e baixar de fasquia.
O processo de ensino-aprendizagem exige esforço, dedicação e empenho dos alunos-pais-professores/escolas. Só com uma estreita colaboração, empenho e esforço de todos os intervenientes é que conseguiremos.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990