“As escolas portuguesas são (d)as melhores do mundo”

Num mundo imperfeito e complexo, os alunos portugueses estão em boas mãos. Continuarão a estar nas mãos de quem, no geral, está aberto a dar o melhor de si mesmo para levar a educação formal em Portugal a um outro patamar.

“Ano: 2030. Local: escola pública do meu filho, que frequenta o 2.º ciclo do ensino básico. Fui convidada para assistir à aula de matemática (agora, é prática corrente).

Estou sentada no fundo da sala. As paredes estão pintadas num tom suave de verde, onde os alunos fixaram diversos pósteres escolhidos por si; gosto particularmente do que mostra o Outro Mundo de M. C. Escher. Há um vaso com uma planta em cada canto da sala, que está equipada com um computador moderno e com condições de projeção irrepreensíveis. Os alunos entraram ordeiramente, sob o olhar atento do professor.

Depois de verificar as presenças e exibir o sumário da lição (“As propriedades das operações numéricas”, escrito com cores variadas), o professor posiciona alguns alunos perto do quadro, os quais, segurando tabuletas com números ou com os sinais (, +, x, =, ), juntam e trocam posições, dizendo alto as contas representadas, por exemplo 1 x (3 x 2) = 6 e (3 x 2) x 1 = 6. Isto, decididamente, captou a atenção da turma, além de rever a matéria da aula anterior.

O professor introduz então o tópico da ordem que deve ser respeitada na resolução das expressões numéricas; explica-a brevemente e põe os alunos a resolver meia dúzia de exercícios práticos, definindo um prazo claro (10 minutos). Fico a saber que 2 + 4 x 3 é igual a 14 e não a 18. Por seu lado, o professor sabe que uma tarefa de memorização rotineira é insuficiente, pelo que envolve a turma no desafio “Order of operations” de um certo sítio da web. Os miúdos gostam e, no meio do entusiasmo, um deles ultrapassa o comportamento aceitável. O professor, sereno, interrompe a atividade e fita a turma por uns segundos. Com a sala mergulhada no silêncio, não visa pessoalmente o aluno mas sim a sua conduta, pedindo-lhe que verbalize o impacto negativo que está a ter na aula e como é que poderá evitar repeti-lo.

A atividade é retomada e, quando termina, o professor permite que os alunos descomprimam, individualmente, durante três minutos (claro que se agarraram logo ao telemóvel!), pois é incontornável adaptar o ensino ao ciclo ou flutuações do nível de atenção ao longo do tempo. O professor sugere aos alunos que respirem fundo quatro vezes seguidas.

Por fim, o professor supervisiona uma tarefa com a qual se pretende melhorar a aprendizagem através da linguagem e da aplicação de conhecimentos. Começa por projetar um problema verbal: “Recebi 10€ de mesada, e mais 20 dos meus avós porque ia fazer anos. No dia do aniversário resolvi oferecer o lanche à minha irmã. O meu bolo custou 1 euro e o dela 1,2. Com quanto dinheiro fiquei?” [10 + 20 – (1 + 1,2)]. A seguir os alunos, em pares e recebendo feedback do professor, concebem e redigem outros problemas simples, que são depois trocados entre carteiras e resolvidos. Tiveram 15 minutos para o fazer, mas chegaram aos 20. Concluída a tarefa, o professor incentiva a subvocalização quer dos problemas, quer da respetiva resolução.

Foi uma aula bem conseguida. Não num hub com learning coaches de modas recreativas, mas numa escola normal com verdadeiros professores, preparados por uma formação inicial ou contínua que aposta fortemente no domínio das matérias curriculares, nas competências relacionais, na disciplina e num ensino guiado pelo modo como o nosso cérebro funciona. Quando o governo colocou em marcha, em meados da década passada, o Plano Estratégico para um Ensino Neurocientífico, regido por princípios para estimular e aperfeiçoar a aprendizagem com base no papel que a atenção, a memorização ou a inferência desempenham na cognição humana, as escolas portuguesas começaram a mudar. Hoje, não digo que são as melhores, mas das melhores do mundo!

Maria

Estará disponível o capital humano para que um relato deste tipo seja possível em 2030? Nas escolas atuais, e creio que nas do futuro, a resposta é um inequívoco “sim”. O trabalho que desenvolvo no quadro de um agrupamento escolar de Almada, que acolhe alunos de um largo espetro, facilita uma perceção racional do clima deste meio.

No fim de um ano letivo marcado pela transição para o pós(?)-pandemia e por um persistente número de docentes e assistentes desabilitados devido ao vírus SARS-CoV-2, a par de outros desafios, é gratificante partilhar que os atores em cena mobilizaram forças, maleabilidade e motivação para superarem as dificuldades e proporcionarem às crianças e jovens uma vida escolar no mínimo satisfatória, sem ruturas nem sobressaltos dignos de nota.

Num mundo imperfeito e complexo, os alunos portugueses estão em boas mãos. Continuarão a estar nas mãos de quem, no geral, está aberto (ainda que possa vacilar) a dar o melhor de si mesmo para (e)levar a educação formal em Portugal a um outro patamar. Os professores e os outros funcionários das escolas portuguesas representam um capital formidável. Gosto de pensar que os nossos legisladores, sindicalistas, académicos e pais, também.

Não pergunte o que o seu país pode fazer por si. Pergunte o que pode fazer pelo seu país.
John F. Kennedy

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico​

Sugerir correcção
Ler 16 comentários