Como sobreviver ao Natal e limitar os estragos
Quer nos preocupemos ou não com o peso, a verdade é que raramente nos livramos de uns quilinhos a mais depois do Natal.
Quando éramos crianças, nem pensávamos nisso. Mas eis nós, aqui, adultos, a olhar para o Natal com aquela época por que ansiamos, mas que ao mesmo tempo tememos, porque é um atentado à nossa dieta ou ao nosso compromisso com uma alimentação saudável. Quer nos preocupemos ou não com o peso, a verdade é que raramente nos livramos de uns quilinhos a mais depois do Natal.
O excesso de comida é a principal causa, mas a falta de actividade física também não ajuda. Não há nenhuma solução milagrosa para evitar isto – pelo menos uma que não arruíne o espírito natalício. Mas há algumas estratégias para minimizar os estragos.
Mude a sua perspectiva
Este é o primeiro passo: comece por gerir as expectativas e a perspectiva da sua mente racional. Muitos de nós chegam ao Natal com a mentalidade do “é agora ou nunca” ou do “tudo ou nada”: ou podemos comer tudo, nas quantidades que bem entendemos, ou não podemos comer nada. Esta atitude tem muitas vezes subjacente a percepção de escassez: se não aproveitar agora, não vai haver mais.
Mas, na realidade, o que é que o impede de comer o que come no Natal durante o ano? Ou, se há algumas iguarias que realmente só lhe fazem sentido nesta época, não haverá outras (por exemplo: queijo, pão, enchidos) que pode comer em qualquer altura?
Mudar a sua perspectiva significa também não desistir se sente que passou das marcas numa certa refeição. “Já fiz asneira, está tudo estragado!” Se abusou naquele almoço, faça um reset na refeição seguinte e comece do zero. A perfeição não existe, o que interessa é sermos consistentes nos nossos hábitos alimentares. E claro que isto não é válido só nesta época.
Finalmente, mudar a perspectiva também tem a ver com pôr de lado radicalismos. Esta não é obviamente uma boa altura para começar uma dieta, nem para seguir à risca planos ou regimes alimentares. Obrigar-se a isso não só o vai fazer infeliz, como pode ser contraproducente: ao mínimo deslize, é fácil desistir e atirar a toalha ao chão.
Aprenda a saber escolher
Esta dica vem na sequência da anterior. Se não há escassez — se há alimentos ou pratos que posso comer durante todo o ano — aprenda a escolher, de forma inteligente. Dê prioridade àquilo com que identifica esta época e não a algo que pode comer noutra altura. E dê prioridade àquilo que realmente gosta, não coma só por comer.
Os doces são um bom exemplo. Eu já tive mais do que uma vez mais de dez sobremesas diferentes na mesa no Natal. É difícil resistir a ir a todas? É. Mas elas não se vão estragar se não as comer todas no primeiro dia. Desafie-se a si mesmo: escolha apenas um ou dois doces para experimentar em cada dia. E coma apenas aqueles de que realmente gosta.
Evite exageros (tempo e quantidade)
O Natal não pode durar um mês inteiro. Tente limitar as celebrações e os excessos apenas aos dias 24 e 25 de Dezembro. Assim, mesmo que abuse um pouco mais nesses dias, não há problema. Mas se prolongar a festa durante mais dias ou semanas, terá de se esforçar muito mais para voltar ao “estado normal”.
Do mesmo modo, tenha atenção à quantidade de comida que faz. Se são cinco pessoas, porquê fazer comida para dez? E será que são precisos tantos pratos, petiscos e sobremesas? Das duas uma: ou geramos desperdício alimentar, ou andamos uma semana inteira a tentar “despachar” aquela comida toda.
Outro erro comum é deixarmos a mesa posta durante vários dias, cheia de petiscos, frutos secos, pão, queijo e doces — um autêntico atentado à nossa força de vontade. O ideal é evitá-lo, porque a tentação de petiscar qualquer coisa sempre que passar pela mesa vai ser bem grande.
Mantenha-se hidratado
Beber água é essencial, em qualquer altura, e ainda mais neste contexto. O facto de abusarmos mais na alimentação durante o Natal (mais doces, salgados e mais álcool) tende a deixar-nos mais desidratados. Isto pode não só gerar dores de cabeça, como pode levar-nos a comer mais.
O nosso cérebro tende a confundir a sensação de sede com a de fome, levando-nos a comer quando, na realidade, precisávamos apenas de beber água. Fica a dica: quando se sentar à mesa para a refeição, beba primeiro um bom copo de água.
Coma o mais lenta e conscientemente possível
Já ouviu falar do mindful eating? Pode ser traduzido como “alimentação consciente” ou “comer com atenção plena”. É uma das armas mais poderosas no controlo do peso e numa alimentação saudável. Significa comer o mais devagar possível, de preferência sem distracções (televisão, telemóvel), mastigando bem a comida e apreciando-a, através da utilização dos cinco sentidos.
Como fazê-lo? Experimente pousar os talheres entre cada garfada, fazer uma pausa e respirar. Mastigue devagar. Depois de terminar o prato, não se sirva logo, espere uns longos minutos, aproveite para conversar, beber água, ir à casa de banho. São precisos cerca de 20 minutos para o nosso cérebro transmitir ao estômago que estamos satisfeitos. Se comer devagar e fizer aquela pausa, pode acabar por concluir que, afinal, já não tem fome ou que quer uma segunda porção, mas mais pequena.
Comece pelos alimentos mais saudáveis
Sempre que se sentar à mesa para a refeição, comece pelos alimentos mais saudáveis, ou seja, os vegetais. Antes de atacar o peru, coma uma sopa, uma salada, ou uma dose de vegetais salteados, grelhados ou assados. Como são ricos em fibra, estes alimentos vão deixá-lo saciado e evitar que abuse a seguir. O ideal? Ter metade do seu prato ocupado com vegetais, e o restante dividido igualmente entre hidratos de carbono e proteína. Com estas porções, não vai passar fome de certeza.
Crie um esquema de equivalências e recompensas
Recorro a esta estratégia quando sei que estou num contexto em que as minhas escolhas alimentares saudáveis podem ser comprometidas (exemplo: uma semana com muitos jantares fora, em férias ou no Natal). A ideia é fazer escolhas entre determinados alimentos “equivalentes” e criar recompensas para ajudar a afastar aquele teimoso sentimento de culpa.
Exemplo: eu adoro pão e, como não como habitualmente, prefiro comê-lo em alguns refeições natalícias e pôr de lado outras opções de hidratos de carbono como o arroz, a massa ou as batatas. Esta é uma das minhas “equivalências”. Outra é optar por não beber álcool para estar “mais à-vontade” no que posso comer. O álcool tem imensas calorias (já lá iremos) e eu prefiro gastá-las em comida. Mas pode fazer ao contrário: trocar a sobremesa por um copo de vinho ou uma bebida branca.
Quanto às recompensas, encaro-as como uma espécie de incentivo para manter uma vida saudável. Exemplo: posso comer doces (sem exagero, claro) se fizer exercício naquele dia, nem que seja uma simples caminhada.
Atenção: Nada disto é para ser “transportado” para o nosso dia-a-dia, se tal significar que passamos a ditar os nossos comportamentos alimentares por aqui. Esta estratégia pode ajudar a controlar os “estragos” em alturas do ano mais propícias ao exagero, mas não devemos viver permanentemente em “equivalências” e “recompensas”. Não devemos viver constantemente preocupados com o que comemos ou sentirmo-nos culpados se não seguimos à risca a nossa cartilha. Não podemos (nem queremos) ter uma relação obsessiva com a comida, ou encarar os alimentos como bons ou maus. A nossa alimentação deve ser intuitiva, sem culpas e sem alimentos proibidos.
Tome um bom pequeno-almoço
Não ceda à tentação de comer menos a esta refeição para depois poder abusar o resto do dia. Ao darmos uma boa dose de nutrição ao nosso corpo logo pela manhã, estamos a dar um empurrão ao nosso metabolismo e a reduzir o risco de termos aqueles apetites incontroláveis ao longo do dia.
A escolha do pequeno-almoço vai depender muito das suas necessidades e preferências individuais: ovos mexidos, panquecas saudáveis, sumos ou smoothies de fruta e vegetais, pão integral, papas de aveia são apenas algumas opções. Se nota que está com dificuldade em controlar o seu apetite ao longo do dia, talvez seja boa ideia apostar na aveia (em papas ou panquecas), porque ajuda a estabilizar os níveis de açúcar no sangue e vai deixá-lo saciado durante mais tempo. Se precisar de algo mais detox (porque comeu em excesso no dia anterior ou bebeu demais), o ideal pode ser um sumo verde ou um iogurte probiótico com fruta.
Controle o álcool
O álcool, à semelhança dos refrigerantes, é uma fonte de calorias vazias, ou seja, conta para os nossos totais diários, mas não nos alimenta de facto, o que significa que vamos ter de comer (mais calorias) para satisfazer a nossa fome.
Além disso, tende a aumentar o apetite e, em excesso, diminui a nossa capacidade de controlarmos o que comemos. Isso quer dizer que não pode beber? Não. Mas deve fazê-lo com moderação. Se estiver a beber, alterne entre a bebida alcoólica e água. Não só se mantém hidratado, como vai reduzir a quantidade de álcool ingerida. E tem um bónus: também ajuda a evitar a ressaca.
Tal como com as sobremesas e os doces, faça um desafio a si próprio: Escolha apenas aquilo que realmente gosta e evite misturar bebidas (beba vinho num dia, cerveja no outro, por exemplo). Se se mantiver fiel a uma bebida, a sua cabeça e o seu estômago vão agradecer no dia seguinte.
Experimente versões saudáveis das iguarias de Natal
Convenhamos: não há problema nenhum em comer o bacalhau na consoada ou peru no dia de Natal. São pratos típicos e saudáveis, desde que não os adulteremos com versões mais gordurosas (gratinados ou com natas, por exemplo). O problema são geralmente os petiscos todos e, claro, os doces.
Para quem queira mesmo manter-se fiel à sua alimentação saudável, pode ser uma boa opção procurar versões saudáveis das iguarias natalícias. Deixo-vos aqui alguns sites para se inspirarem:
Mas fica o conselho: Não entre em radicalismos. Se gosta realmente daquelas rabanadas ou sonhos tal como a sua avó fazia, coma-os sem culpas. A comida não são apenas calorias, são recordações, emoções e partilha.
Não coma só porque sim
Uma das tendências desta época é comermos em excesso. Isso significa que, por vezes, podemos chegar a uma das refeições sem ter propriamente fome. Vamos comer apenas porque é hora do jantar, embora o almoço se tenha prolongado até meio da tarde. Ou tomamos o pequeno-almoço apenas porque é o que fazemos sempre, embora ainda tenhamos os restos do jantar às voltas no estômago. Se pensarmos que, às outras refeições, já ingerimos uma dose avultada de calorias (basta beber um copo de vinho e comer sobremesa para os números dispararem), certamente não vamos ficar em défice se saltarmos aquela refeição.
Trata-se, na prática, de fazer uma espécie de jejum, que agora está tão na moda. Contudo, só aconselho a seguir esta estratégia se já tiver hábitos alimentares saudáveis ou se já estiver habituado a esta prática. Porque de nada serve estar horas sem comer e depois desforrar-se na primeira refeição que consumir.
Se não tiver grande apetite, outra opção é fazer uma refeição mais leve (por exemplo, uma sopa ao jantar). Na minha casa, há um compromisso de base: Excepto a ceia de Natal, não se cozinham jantares, ou seja, não há prato novo ao jantar. Há sempre sopa (nem que seja congelada) e os “restos” do almoço ou dos dias anteriores, que se vão acumulando. Isto ajuda a evitar aqueles exageros de comida e o desperdício alimentar. Além disso, é libertador, porque não passamos a vida ao fogão a fazer refeições atrás de refeições e podemos aproveitar o tempo para outras coisas, nomeadamente aquelas de que falo a seguir.
Entretenha a cabeça
O Natal é sinónimo de convívio familiar mas, muitas vezes e cada vez mais, esse convívio é feito à frente da televisão. O problema é que, se até entre duas pessoas há guerras pelo telecomando. O que é que isto tem a ver com a alimentação? Mais do que imagina.
Grande parte da nossa fome, sobretudo aquela que não desejávamos ter, é de natureza emocional, e provocada por factores que nada têm a ver com a falta de comida. Comemos porque nos sentimos cansados, stressados, entediados, porque discutimos com alguém, porque estamos tristes ou até para afastar o sono. Se passarmos o dia ou a noite em frente à televisão, a probabilidade de ficarmos entediados é grande. Ainda para mais se nem sequer estivermos a ver algo que gostemos. E o que temos ali mesmo ao lado, à mão de semear? Uma mesa cheia de tentações.
Experimente desligar a televisão e fazer outras actividades que mantêm a sua cabeça activa e entretida. Os jogos de cartas ou de tabuleiro são uma óptima opção, além de porem os membros da família a conviverem de facto. A nossa fome não segue uma linha ascendente, surge em ondas e tem picos, e muitas vezes estes nem sequer são “reais” e sim “emocionais”. Se estiver entretido a jogar com a sua família, provavelmente nem vai dar conta dessa ondulação.
Mexa o corpo
Mesmo que tenha o hábito de fazer exercício físico, é natural passar a época natalícia sem “fazer nenhum”. Estamos muitas vezes longe do nosso ginásio, as nossas rotinas não são as mesmas e, na maioria das vezes, a última coisa que nos vai apetecer é fazer exercício. Mas o ideal é mesmo tentarmos fazer alguma coisa, por mais simples que seja. Só isso já irá dar um impulso ao seu metabolismo e ajudar o corpo a gerir a “intoxicação natalícia”.
Não seja demasiado ambicioso ou exigente. Estabeleça objectivos realistas, abaixo do seu normal (se o tiver) ou até do que gostaria de conseguir fazer. Assim não corre o risco de ficar desapontado. Pode optar por caminhadas de meia hora (sozinho ou com a família), treinos curtos de alta intensidade, corrida, ioga, qualquer coisa. Se lhe faltar inspiração e motivação, procure canais no YouTube com treinos rápidos, em linha com as suas preferências e condição física.
Pode ainda recorrer a uma app para controlar o número de passos que dá e estabelecer um mínimo diário. Nos dias em que realmente não tiver tempo ou vontade de fazer nada, reserve pelo menos cinco minutos, nem que seja antes de dormir ou ao acordar, para fazer uma meditação ou simplesmente uma técnica respiratória. Isso vai equilibrá-lo emocionalmente, o que pode ajudar a gerir melhor o apetite.
Aproveite para descansar e dormir
A falta de sono quebra os nossos ritmos circadianos, gerando fadiga, tornando mais lento o nosso metabolismo e, a cereja no topo do bolo, fazendo-nos ter mais apetite. Isto porque a privação de sono leva o nosso corpo a produzir mais grelina (a hormona que nos diz “está na hora de comer”) e menos leptina (a hormona da saciedade).
Por isso, não comprometa o seu descanso. Durma, pelo menos, entre sete a nove horas, todas as noites. Outra sugestão é evitar comer antes de ir para a cama, porque isso também pode afectar a qualidade do sono. Não é fácil, eu sei, sobretudo se tiver uma mesa de Natal posta ali mesmo ao lado. Mas faça a si próprio a pergunta: “É mesmo fome que eu tenho?” Se calhar, é mesmo só sono.
Por fim, um último conselho, que se aplica à alimentação durante as épocas festivas e em geral: Ponha de lado as exigências de perfeição e os sentimentos de culpa. O Natal é um momento para estar com a família, relaxar e celebrar. Se comer em excesso, não se massacre e, sobretudo, não deixe que um passo em falso o faça cair. Tem todo um novo ano à porta para retomar o caminho certo. Feliz Natal!
Health Coach, autora do projecto About Real Food