No tempo em que os animais não falavam
Um manifesto (não panfletário) sobre a destruição da biodiversidade. “Prestem atenção ao grito silencioso e ensurdecedor do nosso planeta e uni-vos!”, pede a autora, Eduarda Lima.
“Tudo começou quando um pássaro deixou de cantar. E todos os outros pássaros deixaram de cantar.” Gatos, cães, insectos, galinhas, ninguém se fazia ouvir. Nada de leite das vacas, nada de acrobacias ou graças de macacos a deixarem-se fotografar. “E ninguém escutou o uivo dos lobos na lua cheia.” Tudo aconteceu no tempo em que os animais não falavam. Melhor, em que não queriam falar. Hoje e no futuro.
Um pacto silencioso parecia ter sido feito pelos animais e até as crianças deixaram de brincar e de ir à escola. Porquê? Escutemos as explicações de quem escreve e ilustra, Eduarda Lima: “O livro fala sobre o impacto da acção humana no ambiente e na biodiversidade do nosso planeta, mas é também uma pequena introdução ao activismo para crianças pequenas. Eu não quis directamente ‘dizer’ nada ao mundo; antes queria que o livro fosse um objecto catalisador — mais do que dar respostas, queria que levantasse perguntas, que fomentasse discussões, diálogos, que pusesse o pequeno leitor num papel activo de questionamento e reflexão.”
A autora acredita que “as crianças já estão a prestar atenção, mas é importante ter estas conversas à volta de um livro e aprender a pensar, questionar e passar à acção!”, diz ao PÚBLICO, via email. “O Protesto é um manifesto, mas não é panfletário!”, afirma convictamente.
Proximidade da serigrafia
O processo criativo começou com texto e imagem em trajecto paralelo. “Primeiro um esqueleto de texto muito simples e uns esboços muito pequeninos logo ao lado, em modo de storyboard.” Depois, desenvolveu as ilustrações, sendo o texto retrabalhado mais tarde, “com os valiosos contributos da editora Carla Oliveira, da Orfeu Negro”, diz a autora, formada em Arquitectura e com vários trabalhos de animação em 2D.
As ilustrações foram todas desenhadas à mão e subsequentemente digitalizadas para serem pintadas digitalmente no Photoshop. “Queria usar o método mais semelhante ao da serigrafia, que é um processo de impressão com cores sólidas, que quando se sobrepõem, misturam-se, criando assim múltiplas novas cores”, descreve.
E continua: “O mais próximo deste processo na impressão a uma escala mais ‘industrial’, para tiragens maiores, é a impressão a cores directas. Assim, imprime-se directamente com as tintas das cores escolhidas, obtendo-se um efeito mais homogéneo e intenso nas manchas de cor, do que se fosse impresso em CMYK.”
Imagens a “saltar” do papel
Eduarda Lima, que se estreia no álbum ilustrado com este título, diz ainda: “Com três tintas apenas, consegue-se obter uma paleta de oito cores sólidas, contando com o branco do papel! Para mim, este processo era importante por várias razões. Por um lado, com esta intensidade e saturação na cor, as ilustrações ganham uma expressão mais gráfica e cativante.”
Sendo um livro para crianças bem pequenas, que provavelmente ainda nem sabem ler, a ilustradora “queria que elas mergulhassem nas imagens que lhes ‘saltam’ do papel, enquanto o adulto fosse lendo o texto”.
Quanto à opção por esta paleta, conta: “A escolha das três cores em si foi mais racional. Gosto sempre de usar duas cores primárias — o azul e o vermelho — e a terceira determina se vai ficar tudo mais ‘quente’ ou mais ‘frio’. Neste caso, usei um verde-claro azulado, para arrefecer!”
O motivo por que todos os animais protestaram e sofreram em silêncio é revelado no fim. Não o desvendaremos aqui, mas é difícil não nos sentirmos culpados. Todos.