A avaliação de professores não é séria, mas serve o sistema

Todos os anos por esta altura, final do ano letivo, milhares de professores concluem o seu processo de avaliação. Por isso, decidi falar sobre ele. Porque é que um sistema falido agrada a uns poucos colegas e muito ao Ministério da Educação?

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Unsplash/NCI/Michael Anderson

Sempre que se fala na carreira dos professores fala-se propositadamente sobre a avaliação, fazendo sempre passar a ideia de que os professores não são avaliados e por isso não merecem progredir. É quase sempre esta a narrativa de grande parte dos comentadores, especialistas e demais que vivem de denegrir toda uma classe. Este argumento é quase sempre aproveitado pelos governos para manter a carreira docente na mesma, que é disso que estamos a falar. Manter tudo na mesma para não se gastar nem mais um tostão com os professores e suas carreiras.

Mas vamos falar da avaliação sem tabus nem rodeios. Se perguntarmos à grande maioria dos professores “A avaliação dos professores é justa?”; “Sentem-se valorizados com este sistema de avaliação?”; “Esta avaliação permite melhorar o desempenho docente?”; “A avaliação dos professores permite afastar os maus professores?”; ou “A carreira dos professores está bem estruturada?”, a resposta seria a todas “não!”.

Recordemos que os sindicatos e Nuno Crato alteraram a avaliação de desempenho docente acabando com os professores titulares que avaliavam professores, colegas, sem serem reconhecidos como tal. Mas o que a priori parecia uma grande vitória veio na verdade tornar a avaliação num verbo-de-encher estrategicamente conjugado para estrangular a carreira, as progressões e desvalorizar o trabalho docente, desmotivando quem trabalha e condecorando quem melhor bajula.

Neste momento, a avaliação é feita, na maioria dos casos, num documento de até três folhas onde o professor se autopromove, mas a maior promiscuidade é o facto de muitas vezes quem avalia nem sequer conhecer o avaliado. Ao fim ao cabo, a avaliação é feita por “achismos”, opiniões externas ao relatório e simpatias pessoais. Fazendo com que a essência de qualquer avaliação, o progresso e desenvolvimento pessoal se desvirtuem.

Não tenho muitas dúvidas de que este tipo de avaliação possa servir a uma minoria que beneficia de ano para ano da letargia dos demais que, desmotivados, cansados, exauridos, aceitam para não reclamar, para não levantar ondas. Assim, sem forças para publicamente se revoltarem, os professores entregam de bandeja, a qualquer governo que se constitua, os argumentos perfeitos para nada fazer, deixando que, com a convivência de maioria dos sindicatos, argumentem contra.

Como se ouve muitas vezes o argumento de que os professores progridem de quatro em quatro anos, ao contrário dos restantes funcionários públicos que progridem de dez em dez. Mas, se quisermos ser honestos no debate, devemos referir que, tecnicamente, numa carreira de dez escalões como a atual, os professores chegariam ao final de carreira com 122 anos, considerando que entrariam com 22 anos. Se a isto juntarmos os anos que ficaram, para sempre, por descongelar, naquele que foi o maior saque a uma classe profissional, então temos quase 130 anos. Com as atuais cotas, é uma questão de fazer as contas, mas fica a ideia do ridículo do argumento. Quem é que afinal chega ao 10.º escalão?

Como referi há dias, um professor do ensino não superior que consiga chegar ao topo da carreira ganha menos que um juiz estagiário. Por outro lado, em início de carreira, um professor aufere 1523,18€ brutos contra os 3324€ de um juiz estagiário.

Não nego que poderá haver alguns professores que não o deviam ser, mas também é verdade que a maioria é competente e dedicada. A situação da atual avaliação docente é só mais um, entre muitos, entrave à captação de novos profissionais numa altura em que é sabido que a falta de professores é uma realidade. Mas, pelo que prevejo, o governo prefere avançar para os professores estagiários, remunerados ou não, como mão de obra barata, porque o discurso agora é pomposo, mas rapidamente poderá ser possível a contratação de estagiários, com um índice de vencimento ainda menor, para suprimir a falta.

Todas as escolhas feitas na educação tendem para a mais económica, pouco interessados que estão em trazer qualidade ao ensino. Seja cuidando dos que estão, desde logo com uma avaliação meritória, decente, motivante, que desenvolva de facto o profissional, seja tornando a carreira atraente para novos profissionais.

Não se consegue motivar trabalhador nenhum no mundo quando se lhes diz que de 20 extraordinários profissionais, só dois vão poder progredir. Outra grande questão é o facto de os professores que avaliam carecerem de um reconhecimento de competências para a função por parte dos seus pares assim como pelas qualificações académicas ou currículo distinto. Não pode ser qualquer colega que avalia outro qualquer colega. Não valoriza o processo.

Uma avaliação justa será benéfica para elevar o nível de todo o ensino público sendo que, com é natural, quem tirará os maiores dividendos é o aluno.

É urgente exterminar este mal que se chama ADD, revendo-a e dando-lhe um caráter não estrangulador, mas sim de catalisador de desenvolvimento pessoal e profissional. É urgente rever a carreira dos professores nivelando, com exigência e rigor, por cima e não sistematicamente por baixo. Não teria sido a altura certa com tanto dinheiro que vem do PRR? Sim, claro que sim, mas são opções políticas.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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