PSD: “O PS já está ver o engenheiro Carlos Moedas como presidente da Câmara de Lisboa”

Guerra autárquica marca audição de Carlos Moedas no inquérito ao Novo Banco. Ex-secretário de Estado garante que não tinha poderes para intervir ou decidir sobre BES depois de ter estado com Ricardo Salgado.

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Carlos Moedas nesta terça-feira Mário Cruz/Lusa

Carlos Moedas disse nesta terça-feira que não tinha como funções no Governo de Passos Coelho intervir no caso BES, depois da reunião de 2 de Maio de 2014 em que Ricardo Salgado deu nota da situação do ramo não financeiro do grupo. O ex-comissário europeu salientou ainda nada ter feito após o telefonema de Junho em que o antigo líder do BES pediu a sua intervenção junto do presidente da Caixa e do ministro da Justiça do Luxemburgo. A audição do antigo secretário de Estado motivou uma troca de acusações, com o PSD (mas não só) a acusar o PS de aproveitamento político para as autárquicas, às quais Moedas concorre contra Medina pela liderança da Câmara de Lisboa. 

O ex-secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, que está a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, afirmou aos deputados que a sua função no executivo era “monitorizar as reformas estruturais” da troika e que no momento em que teve uma reunião com o líder histórico do BES, que lhe transmitiu preocupações com a situação financeira do ramo não financeiro do grupo, estava a fechar dossiers de reformas estruturais.

A minha responsabilidade tinha que ver com as chamadas ‘reformas estruturais”, disse, acrescentando que “não estava numa posição nem de poder intervir nem de poder tomar qualquer decisão”. Carlos Moedas adiantou que transmitiu ao gabinete do primeiro-ministro as preocupações com a situação financeira do Grupo Espírito Santo (GES) e que soube que o encontro entre Salgado e Passos Coelho já estava marcado. Moedas disse ainda que no encontro com o líder do BES não foi informado sobre o valor do passivo do grupo, de 7,6 mil milhões de euros. “Não tenho o número nos meus arquivos”, afirmou.

Moedas salientou que, embora não fizesse parte das suas funções intervir em matéria de instituições financeiras, era normal ouvir empresas. No entanto, quis deixar claro que cada membro do Governo tinha as suas funções. “Um Governo é como uma orquestra. Cada pessoa está a fazer a sua coisa.” 

O antigo comissário europeu respondia a questões colocadas pelo deputado do PCP Duarte Alves, que quis também saber o que Moedas fez depois do telefonema de Salgado em que este lhe pediu que falasse com o presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) da altura, José de Matos, e com um ministro do Luxemburgo, o que Moedas “estranhou”.

A audição foi pedida pelo PS, que considera que vários responsáveis políticos na altura tiveram conhecimento sobre a situação do GES e a exposição do BES ao ramo não financeiro. Antes da audição de hoje, o agora candidato pelo PSD à Câmara Municipal de Lisboa considerou que esta audição tem fins políticos. E o tema esteve presente na própria audição. 

PSD recusou-se a fazer perguntas a Moedas 

André Silva, do PAN, foi o primeiro a trazer, de uma forma clara, o incómodo político para cima da mesa, acusando o PS de querer “brincar às campanhas eleitorais”. Já antes, Cecília Meireles, do CDS, tinha sinalizado o mesmo, lembrando “não haver nenhum facto novo” desde a última vez que Moedas depôs na comissão de inquérito ao BES. Ainda assim, questionou Moedas sobre o que seria se o ex-governante tivesse “dado todas as palavrinhas” a todas as pessoas que antes o comunista Duarte Alves referiu (nomeadamente ao ex-primeiro-ministro e ao antigo presidente da Caixa José de Matos) e que lhe tinham sido pedidas por Salgado, na reunião e por telefone. Moedas afirmou que essa não era a forma de trabalhar do Governo de Passos Coelho.

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Carlos Moedas na comissão de inquérito Mário cruz/Lusa

João Cotrim de Figueiredo deu nota de esta poder ser a audição “mais rápida” desta comissão de inquérito, por não existirem factos novos, e perguntou a Moedas se participou em conversas informais sobre o tema BES com membros do Governo, tendo o ex-governante garantido que não.

Quando chegou a vez de o PS colocar perguntas, João Paulo Correia não largou o ex-secretário de Estado. Passou por cima das acusações feitas anteriormente e defendeu que “a inacção e a omissão são também formas de intervir”. E quis saber que temas sobre o sistema financeiro foram discutidos no Conselho de Ministros do Governo de Passos Coelho. “Não lhe posso especificar aqui tudo o que há seis anos foi discutido no Conselho de Ministros”, disse Moedas. 

O socialista lembrou palavras de Assunção Cristas, ex-ministra de Passos, que disse que o tema BES não foi discutido no Conselho de Ministros, com o ex-primeiro-ministro Passos Coelho a ter acrescentado que aquele tema não foi discutido, mas que temas do sistema financeiro sim. Moedas frisou que eram discutidos temas transversais do sistema financeiro, dando como exemplo a concessão de crédito e o código de insolvências. 

Moedas negou também que a 2 e Maio — data da reunião entre Moedas e Salgado  tivesse mais conhecimento sobre o aumento de capital do BES. “Sabia o que as pessoas poderiam saber”, afirmou. E rejeitou que houvesse qualquer ligação entre a decisão do anúncio da saída limpa (que correspondeu ao fim do programa de ajustamento) e o encontro com Ricardo Salgado. Disse ainda que “não tinha nenhuma ligação pessoal ou profissional com Ricardo Salgado”. “Durante muitos anos, em Portugal, toda a gente sabe que as pessoas pensavam que era falando com governantes que se resolviam os problemas”, disse, acrescentando que esse não é o seu modo de trabalhar e que Passos Coelho foi o único primeiro-ministro a dizer não a Ricardo Salgado. 

Moedas não disse não a Salgado, mas nada fez

João Paulo Correia insistiu nas garantias dadas pelo ex-governante no telefonema de Junho a Ricardo Salgado e quis saber em concreto que garantias foram dadas. Carlos Moedas afirmou que “não disse redondamente que não” a Ricardo Salgado quando este lhe pediu que contactasse o ministro da Justiça do Luxemburgo. Mas salientou as nuances do que queria dizer.

“O que disse ​[a Ricardo Salgado] foi uma resposta educada e polida”, frisou Moedas. “Não lhe disse que sim, nem que não. O que fiz foi ouvi-lo. E fui para casa e não fiz exactamente nada.” O que conta são os factos: “Ao contrário de outros governos, nós dissemos não a Ricardo Salgado.”

Duarte Pacheco, do PSD, começou por fazer uma cronologia das audições pedidas pelo PS, que no início não incluíam Carlos Moedas. “Há algum facto novo? Há algum facto relevante?”, pergunta, lembrando que as actas das reuniões da comissão de inquérito ao BES mostram que na altura (2015) o PS ficou satisfeito com as respostas.

O deputado social-democrata diz ser “desprezível a instrumentalização do Parlamento e do PS desta comissão”. “O PS já está ver o engenheiro Carlos Moedas como presidente da Câmara de Lisboa. E prepare-se que isto é só princípio”, diz, acrescentando que o “PS está a fugir às suas responsabilidades”, evitando falar sobre o presente a gestão do Novo Banco , nem que para isso seja preciso “chamar D. Afonso Henriques" para depor, ou seja, o passado. “Não compactuamos com o que o PS faz e por isso não faremos qualquer pergunta ao engenheiro Carlos Moedas”, disse Duarte Pacheco. 

Mariana Mortágua, do BE, que colocou questões a seguir, disse que ficou esclarecida em relação às respostas dadas e quis apenas tirar dúvidas sobre a “ponderação séria” das alternativas para o BES. A bloquista foi rápida e ouviu Moedas endossar responsabilidades para o Ministério das Finanças. “A verdade é que eu não fazia parte desse tipo de discussões”, disse Moedas. “Não sei se houve discussões, mas imagino que houve discussões que terão tido lugar”, afirmou, remetendo para um “grupo muito restrito” os temas do sistema financeiro. 

    


 
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