Arquitectura
Em Leiria, há uma casa que viaja no tempo
A Casa Lespagnol, recuperada por Tiago Clérigo, quer conjugar o traçado original com um toque de modernidade. O mármore, a madeira e o vidro fosco de outra década guardam memórias antigas.
A Casa Lespagnol foi construída em 1964 pelo arquitecto Camilo Korrodi e reconstruída entre 2018 e 2021 por Tiago Clérigo, naquele que foi o seu primeiro trabalho. Localizado em Leiria, o projecto — uma moradia com dois pisos, jardim e duas varandas que percorrem as fachadas frontais da casa, de uma ponta à outra — foi pensado para ser um alojamento permanente. Uma casa de família, onde os clientes pudessem viver para sempre, tal como aconteceu com os anteriores donos e avós da actual proprietária. “Durante a primeira visita, a cliente, em todas as divisões e todos os compartimentos, fazia sempre uma alusão a uma memória de infância”, começa por explicar Tiago Clérigo ao P3.
O objectivo era “preservar e abrigar as memórias dos espaços”, mantendo o traçado original, destaca o fundador do Studio Tiago Clérigo. E onde podemos encontrar essas memórias? “Na nobreza do mármore e na madeira originais” e na própria “organização da casa”, que sofreu ligeiras alterações com o objectivo de se adaptar aos “modos de habitar de hoje em dia”.
O exterior da moradia apresenta uma “transição entre os elementos da arquitectura portuguesa e o modernismo”. Uma construção de linhas modernas com particular destaque para os simples e, simultaneamente, imponentes pilares de pedra que parecem estar dispostos na perpendicular dada a peculiar configuração do telhado, que parece sair da parede. Para além disso, “não existem beirados na casa, que são típicos da arquitectura tradicional portuguesa, mas já existe aqui uma limpeza e uma pureza da fachada”, destaca o arquitecto de 32 anos. "Há uma tentativa de fazer uma ligação ao modernismo, mas ainda um bocadinho preso aos elementos da arquitectura portuguesa.”
No interior, fotografado por Hugo Santos Silva, o mármore e a madeira conjugados com a cor branca colocam a casa numa constante viagem no tempo, entre o passado e o presente. Para a casa de banho optou-se por uma banheira de pés e para a cozinha desenharam-se armários inspirados nos anteriores, onde as portas dão lugar a cortinas. As portas de vidro fosco, o arco que divide os espaços, a madeira que ladeia parte da lareira e, principalmente, “a esquina, junto à lareira, onde a avó se sentava”, foram mantidos.
A pandemia e o facto de residir na Bélgica impediram que visitasse a casa e percepcionasse as primeiras reacções dos donos. Ainda assim, "o feedback foi incrível". "A forma como se preservou e adaptou a casa era realmente importante para a cliente, portanto posso dizer que está muito contente por ter conseguido conservar esta questão das memórias.”
Texto editado por Ana Maria Henriques