Não temos medo de morrer?
A leveza na forma como muitas pessoas estão a encarar este novo confinamento e a possibilidade de serem contagiadas faz pensar que perderam o medo e que já não questionam a possibilidade de poderem vir a ter sequelas ou mesmo a morrer.
Portugal está com números alarmantes de contágio pela SARS-CoV-2 e com os hospitais a atingir a lotação máxima. Não sou pessimista, mas é notório que alguma coisa não está bem, voltamos a confinar e a enfrentar mais um desafio para as camadas mais frágeis da sociedade e para a saúde mental de toda a população.
É natural que as pessoas se sintam “fartas” da pandemia, das máscaras e do gel e que as limitações, os sacrifícios e a incerteza causem desânimo e vontade de pisar o risco. Também é certo que a economia e os dramas sociais que a pandemia acarreta não esperam por milagres que não vão acontecer, por mais que queiramos muito e que façamos figas ou digamos frases fáceis de que “vai ficar tudo bem”. Mas o facto é que sem pensarmos no bem comum e sem assumirmos comportamentos que beneficiem a todos não vamos lá, porque só será possível conter a propagação do vírus se houver um compromisso real de toda população, dos mais novos aos mais velhos. Só vamos conseguir mudar o colectivo se houver mudança de comportamentos individuais, é preciso continuar a fazer o que já funcionou no passado.
As pessoas têm diferentes tipos de percepções de risco e o medo relaciona-se também com isso. Num extremo, temos aquelas que estão a entrar em pânico, e noutro, os que desvalorizam os cuidados porque parecem acreditar que são capazes de driblar o vírus e que as coisas más só acontecem aos outros. A leveza na forma como muitas pessoas estão a encarar este novo confinamento e a possibilidade de serem contagiadas faz pensar que perderam o medo e que já não questionam a possibilidade de poderem vir a ter sequelas ou mesmo a morrer.
A fadiga da pandemia, a necessidade de sentir controlo sobre a situação, a falta de perspectiva de melhores dias nos negócios, a dificuldade em aceitar as nossas vulnerabilidades e a dificuldade em compreender porque temos de voltar a confinar são alguns factores que podem estar a contribuir para alguns comportamentos mais descuidados. Ademais, estamos perante um fenómeno social e emocional de habituação e de uma certa indiferença perante as imagens de pessoas entubadas e do número de mortos a subir diariamente. Não sendo um dos nossos, tudo não passa de um breve momento de tristeza que se desvanece ao mudar de canal.
Mas, apesar de ser mais fácil deixar-se levar pelo cansaço, é inevitável: temos mesmo de mudar se quisermos travar mais contágios, internamentos e mortes. Tem de haver consciência de que estamos novamente em risco elevado e que apenas devemos sair para o essencial e voltar para casa, sem a voltinha cá e lá e sem a proximidade descuidada ou o ajuntamento de pessoas como temos visto na televisão. Há quem ande a passeio em zonas cheias de pessoas, muitas vezes com máscaras mal colocadas ou, pior, sem máscara. Há inclusive quem saiba que está com o vírus activo (o teste foi positivo) e mesmo assim continue a fazer a vida normal, escondendo a sua situação por temer pelo emprego ou simplesmente por negligência. É fundamental dar relevo ao que diz a ciência e a investigação, porque a nossa batalha contra este vírus ainda não está ganha.
A nossa sociedade não gosta de pensar e de falar sobre a doença e sobre a morte, por isso, quem levanta estas questões é muitas vezes criticado e chamado de pessimista ou alarmista. Ao reflectirmos sobre a morte podemos pensar na nossa vida e no que temos feito durante a pandemia para evitar a doença e a morte, a nossa e a dos outros.
O medo da doença e da morte não deve ser um alarmismo infundado, muito menos deve servir para paralisar ninguém ou como incentivo ao isolamento. O medo que paralisa não transforma; devemos sim usar o medo para encontrar um sentido para evitar a doença e a possibilidade da morte. Como está provado, este vírus pode tocar a todos e é hora de aumentar os cuidados com aquilo que realmente importa: a nossa vida e a vida de quem está ao nosso lado, seja em casa, no supermercado ou no trabalho.