Fechar tudo: Ordem diz que “médicos já não conseguem salvar todas as vidas”

Presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, Artur Paiva, lança apelo ao Governo: as escolas, mesmo as com ensino abaixo dos 12 anos, devem fechar imediatamente. Ordem dos Médicos e o seu gabinete de crise para a covid-19 pedem confinamento semelhante ao de Março e Abril.

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Rui Gaudencio

Chamam-lhe “grito de alerta pelos doentes”. A Ordem dos Médicos e o seu gabinete de crise para a covid-19 pedem ao Governo que seja adaptado rapidamente um confinamento geral semelhante ao de Março e Abril e que o plano de vacinação contra a covid-19 seja rapidamente revisto. “As meias-medidas nem servem a saúde nem a economia. Já perdemos demasiado tempo e continuamos a perder”, afirmam, em comunicado.

“Os profissionais de saúde, neste momento, têm de tomar decisões complexas e muito difíceis em contexto de medicina de catástrofe e de estabelecimento de critérios de prioridade e não conseguem salvar todas as vidas. São eles que desesperam perante os limites do sofrimento e da compaixão, mercê da incapacidade de tratar o outro, e assim são vítimas de burnout e sofrimento ético. São eles que, além dos doentes, sofrem no terreno, e que aguentam a pressão brutal sobre o SNS”, alerta a Ordem dos Médicos, referindo que “ultrapassámos há muito” a linha vermelha de capacidade de resposta dos serviços de saúde.

Numa série de pontos, a Ordem e o seu gabinete de crise começam por pedir ao Governo para “adoptar, sem reservas e com a maior brevidade, um confinamento geral, no mínimo semelhante ao que ocorreu em Março-Abril de 2020, aquando da primeira onda da pandemia, com uma situação muito menos severa”. Pedem também que se comunique aos portugueses “de forma transparente” e “não tentando esconder a gravidade da situação”.

No comunicado, defendem a libertação dos médicos de família de tarefas administrativas, associadas ao Trace Covid-19, para que a principal porta de entrada no SNS, que são os centros de saúde, “possa estar aberta e não parcialmente encerrada”. Assim como o reforço das restantes equipas, nomeadamente de saúde pública, para que seja possível quebrar cadeias de contágio. Neste sentido, afirmam que é preciso “aumentar de forma exponencial a capacidade de testagem de pessoas infectadas e os seus contactos, através da utilização maciça de testes rápidos, para tentar recuperar o tempo já perdido na quebra de cadeias de transmissão”.

Muita preocupação gera também a situação nos hospitais. Nos últimos dias, várias unidades tiveram as urgências em clara sobrecarga e muitos dos hospitais estão a alargar o número de camas para doentes com covid-19 acima do que os planos de contingência previam. A situação levou mesmo a que a ministra da Saúde e o Presidente da República deixassem apelos ao cumprimento das regras de confinamento, assumindo que os hospitais estão próximos do limite.

É preciso “utilizar, de forma planeada e organizada, todos os recursos do sistema de saúde, para dar uma resposta integrada e consistente aos cidadãos e ‘doentes covid-19’ e ‘não covid-19’. A gestão crítica nacional e regional de camas de internamento e de cuidados intensivos deve envolver equipas altamente diferenciadas e englobar todo o sistema de saúde (sector público, privado e social)”, dizem os médicos.

Para a Ordem dos Médicos, é fundamental “proteger verdadeiramente as pessoas mais frágeis, nomeadamente os idosos que estão nos lares, contratando equipas específicas com formação adequada, para que possam ter acesso privilegiado a cuidados de saúde em segurança”, e fazer uma “revisão imediata do Plano Nacional de Vacinação Covid-19 e um pedido de parecer urgente ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) sobre critérios de prioridade para vacinação covid-19”.

O “grito de alerta” termina com mais um apelo aos governantes: “Precisamos com urgência de proteger os doentes, os profissionais de saúde, toda a população portuguesa. É emergente esmagar a transmissão na comunidade. Dada a evolução actual da pandemia, precisamos de actuar agora com todos os meios para ter resultados consistentes daqui a duas semanas.”

“Sem confinamento a sério não será possível diminuir a sobrecarga”

“O pior que podíamos ter é este confinamento light, que acarreta prejuízos para a economia sem os benefícios em termos de saúde”, diz o presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, Artur Paiva, que, no dia em que o Conselho de Ministros está reunido para fazer um balanço dos três primeiros dias de confinamento geral, lança um apelo directo ao Governo: as escolas, mesmo as com ensino abaixo dos 12 anos, devem fechar imediatamente. 

Numa altura em que cada vez mais hospitais estão a entrar em ruptura, nomeadamente na zona de Lisboa e Vale do Tejo, o médico intensivista define a situação que se vive no Serviço Nacional de Saúde como “extremamente preocupante, nomeadamente porque a resposta aos doentes sem covid-19 está a ser fortemente prejudicada. “Para conseguirmos responder à covid-19, estamos a diminuir o acesso dos ‘doentes não covid’ ao tratamento e até ao tratamento com prioridade”, sublinha. 

Os internamentos hospitalares por covid-19 aumentaram 74% desde 1 de Janeiro e, nos cuidados intensivos, o aumento foi de 34%. “As camas de medicina intensiva à escala nacional já são o dobro do que eram em Janeiro do ano passado, e os recursos humanos não são muitos mais, ou seja, temos o dobro das camas com praticamente os mesmos recursos humanos já muito cansados destes dez meses de batalha”, alerta ainda Artur Paiva, para quem urge expandir rapidamente a capacidade de resposta hospitalar. 

Defendendo o recurso a hospitais de campanha, “que são importantes para permitir encaminhar rapidamente os doentes que saem da medicina intensiva para as enfermarias, cujas camas estão por vezes ocupadas por razões meramente sociais, Artur Paiva lembra, porém, que “a capacidade de expansão é finita”. E, por isso, exorta o Governo a “intensificar rapidamente o confinamento. “Temos de confinar mais e cumprir melhor o confinamento”, insiste, para considerar que o confinamento tal qual está “foi tardio e demasiado light”. 

“Isto tem de se modificar rapidamente porque sem confinamento a sério não será possível diminuir a sobrecarga dos hospitais”, acrescenta. “Numa altura em que estão em circulação várias novas variante do vírus, e todas têm uma transmissão fácil e até uma incidência maior de doença nos adultos jovens”, temos de encerrar as escolas acima dos 12,13 anos.” E, porque “as escolas abaixo dessa idade levam ao encontro das pessoas de uma forma muito significativa”, o especialista diz que o Governo devia estar a equacionar seriamente o encerramento de todas as escolas. “Compreendo que seja difícil, e daí decorra prejuízo do ensino não presencial para as crianças, mas a situação é tão grave que isto já devia estar em cima da mesa”, conclui.

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