Com máscaras e sem medo, ModaLisboa está de regresso
O primeiro dia contou com desfiles de Buzina, João Magalhães, Nuno Baltazar, Valentim Quaresma e Ricardo Preto. A máscara é o acessório mais usado, mas o calor não facilitou o cumprimento da regra.
Na aproximação ao Espelho de Água do Jardim Amália Rodrigues, em Lisboa, no topo do Parque Eduardo VII, é impossível não saber que a ModaLisboa voltou. Há cor, padrões, roupa que foge à fast fashion. Desta vez existe ainda um novo acessório: a máscara.
A semana da moda lisboeta começou nesta quinta-feira, com utilização obrigatória de máscara e gel desinfectante em cada canto. A questão da segurança é prioritária para os organizadores do evento disse ao PÚBLICO Joana Jorge, gestora de projecto do evento.
Nos últimos seis meses, a organização esteve a preparar o evento sempre com vários cenários em cima da mesa. “Desde Abril que se fala que a segunda vaga podia vir em Outubro”, recorda a responsável. Por isso, o evento adaptou-se às necessidades dos designers que “foram afectados pela pandemia e tiveram de se reinventar”. Ainda assim “tentámos manter o ADN da ModaLisboa”. “Se não passarmos uma mensagem de segurança às pessoas, os negócios vão ser ainda mais afectados”, justifica.
Então o que mudou? A lotação dos desfiles foi reduzida “de mil para cerca de 200 pessoas, todos os momentos presenciais são ao ar livre”. A maior aposta, segundo a gestora, foi o digital. “Normalmente fazemos transmissão de streaming apenas dos desfiles e agora estamos a passar também entrevistas com os designers, o ambiente dos bastidores, para permitir que quem está em casa possa ficar a conhecer melhor.”
Máscara: “o acessório de 2020” que o calor dificulta a usar
Da parte do público parece que nada mudou. As roupas que envergam continuam, na sua maioria, irreverentes, numa indecisão entre o Inverno e o Verão – ao que a meteorologia não ajudou, tendo os termómetros chegado quase 30 graus.
O PÚBLICO falou com algumas pessoas que responderam sentir-se seguras, indicando que “o medo é o nosso pior inimigo”. Os espectadores sabem que têm de cumprir as regras: usar máscara, desinfectar as mãos, chegar a horas. Caso contrário, receberão um aviso da organização — o que acabou por acontecer.
No desfile de João Magalhães, às 14h, no pico do calor, alguns espectadores queixavam-se da utilização de máscara, uma vez que se encontravam ao ar livre, e alguns retiraram-na. Não durante muito tempo, rapidamente se ouviu “tem de pôr a máscara” da parte da organização.
No entanto, a utilização obrigatória de máscara ao ar livre é apenas dentro do recinto, marcado por grades da ModaLisboa, uns metros ao lado já se aplica a legislação em vigor: não é obrigatório o uso de máscara ao ar livre e as pessoas convivem em pequenos grupos, sem grande distância de segurança, ou protecção facial. Apesar de ser uma situação que a organização não pode controlar, Joana Jorge reforça que a equipa tenta apelar ao bom senso do público.
Ainda no desfile de João Magalhães, que ocorreu no Espelho de Água do Jardim Amália Rodrigues, as cadeiras estavam longe de ter dois metros de distância entre elas (e nem todas estavam ocupadas). Pelo contrário, nos últimos dois desfiles do dia, de Valentim Quaresma e Ricardo Preto, o distanciamento social estava a ser cumprido.
Apesar das novas regras, as pessoas confessam-se felizes por regressar e estão contentes que o evento tenha conseguido ir para a frente. Ao longo do dia foram acarretando as ordens da organização, para que tudo corresse pelo melhor. Mas a felicidade do reencontro entre algumas foi suficiente para deixar a pandemia de lado por uns segundos para se poder abraçar os amigos.
É o caso de Yolanda Kiluanji, Isabél Zuaa, Miriam Vieira, que são repetentes no ModaLisboa e consideram que, neste primeiro dia, os designers mostraram muito mais criatividade do que em anos anteriores. “Criatividade, ousadia e diversidade”, foram as características apontadas por Isabél Zuaa.
Miriam Vieira considera que “as pessoas sentem-se seguras de poderem estar com alguma proximidade ainda e com distâncias de segurança”. Mas a maior diferença face a anos anteriores é a utilização de máscara, “o acessório de 2020”, como caracterizou Yolanda.
Reinvenção em tempos de covid-19
O primeiro dia do evento contou com desfiles de Buzina, João Magalhães, Nuno Baltazar, Valentim Quaresma e Ricardo Preto.
João Magalhães explicou ao PÚBLICO que teve a ideia para esta colecção – cheia de cor – durante a quarentena. Quis “criar uma fantasia”. Apesar deste ponto positivo, o designer reconheceu que “o período de vendas foi um bocado complicado”. Porém, no final da quarentena, sentiu “que as pessoas passaram tanto tempo em casa que queriam roupas mais extravagantes” e viu, pela primeira vez, espaço no “mercado real” para o seu trabalho.
Também Valentim Quaresma teve um período mais atribulado, com pontos de venda fechados e encomendas canceladas. Mas, notou que a pandemia o levou a “repensar” a sua marca. O designer começou a “explorar a criatividade sem estar agarrado às técnicas base de confecção” como a máquina de costura. Nesta colecção usou muito a cola quente, o que proporcionou uma diversidade de texturas em cada peça. Focado na sustentabilidade, fez upcycling, isto é, usou restos de tecidos e todos os materiais com que fez a roupa usou também nas jóias.
Já Ricardo Preto diz que, desde Fevereiro as vendas mudaram por completo. “Fizemos uma grande aposta no online”, disse o designer ao PÚBLICO. Ainda assim, na sua opinião, as vendas não irão recuperar tão rapidamente. Na sua nova colecção apostou, mais uma vez, na durabilidade e intemporalidade das roupas para que “fiquem mais tempo no roupeiro”.