Percevejos e dois tachos para 30: estudantes alojados em Pousada da Juventude queixam-se de condições
Alunos a viver na Pousada de Juventude de Picoas, no âmbito do programa do Governo com a Movijovem, queixam-se de falta de condições para cozinhar, estudar e de pragas de percevejos.
Quando Leonor Costa e os colegas chegaram à Pousada da Juventude de Picoas, em Lisboa, não era bem aquilo que esperavam. O e-mail que tinham recebido no início do ano lectivo dizia que, apesar de não haver camas disponíveis nas residências estudantis, iam poder ficar alojados num quarto duplo da pousada. Mas não foi assim para todos. “Quando chegámos lá, vimos que alguns dos quartos afinal eram para quatro pessoas, com dois beliches, não havia armários, apenas cacifos, e na cozinha só tínhamos um [forno] microondas”, conta.
Leonor é estudante de Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e está a viver nesta pousada ao abrigo de uma das medidas para os jovens que o Governo apresentou este ano. Para aqui viver, paga cerca de 89 euros por mês.
Em Maio, a ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, anunciou que haveria um reforço de camas para estudantes deslocados, através de parcerias com as Pousadas da Juventude e o Inatel. Esta medida, integrada no Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, que só cumpre as necessidades de 32% dos estudantes, seria uma forma de mitigar a falta de alojamento.
Segundo a Movijovem, responsável pelas Pousadas da Juventude, foram disponibilizadas 673 camas “para dar resposta a uma necessidade urgente e impedir que nenhum aluno deixe de estudar por não ter onde dormir”. Mas a maioria das camas não está sequer a ser usada: há, actualmente, 249 estudantes a residir em pousadas no âmbito deste programa. E os que moram em Picoas queixam-se de falta de condições, além de infiltrações e pragas de percevejos.
A cozinha é um dos principais motivos de descontentamento. No início, estava apenas equipada com um forno de microondas, o que a obrigava a ir almoçar e jantar à cantina ou a comprar comida fora. “Somos bolseiros que precisam de alojamento, como é que vamos ter dinheiro para fazer sempre assim nas refeições?”
Depois de uma queixa aos serviços de acção social, foi colocada uma placa eléctrica com duas bocas e foram disponibilizadas duas panelas. “Mas nós somos 30. E, na hora de jantar, temos de fazer turnos para conseguir cozinhar, o que nem sempre é fácil, porque não nos conhecemos todos”, afiança.
Alguns alunos optam por ir a casa com mais regularidade e trazer comida pronta a aquecer, mas Leonor é uma das que não conseguem optar por essa solução. É de Amarante, e os quase 400 quilómetros de distância fazem com que só vá “uma ou duas vezes por mês” a casa.
Paulo Aguiar vive na mesma pousada e diz ter “sorte”: o quarto que lhe tocou, aleatoriamente, é duplo e tem casa de banho privativa. Não tem o mesmo problema que Leonor, que usa a casa de banho comum onde “nem sequer há portas”, mas também tem dificuldades na gestão das refeições.
“Normalmente vou jantar mais tarde, lá para as 22h. O que também se costuma fazer é, se ao almoço houver oportunidade de cozinhar, cozinhar a mais para à noite evitar esse stress. A Leonor está a tentar organizar um grupo para tentarmos contornar isso, mas mesmo que cada um fique com 20 minutos, com duas bocas para tanta gente, é difícil”, relata o estudante de 19 anos. Sem contar com os turistas que pernoitam na pousada e que podem também querer cozinhar.
E aponta outro problema também levantado por Leonor: o espaço que os alunos têm para estudar é a sala comum, que é também o local de convívio dos hóspedes da pousada, e o sítio onde os estudantes esperam pela sua vez de cozinhar. “É um barulho terrível, muitas vezes as tomadas estão todas ocupadas, os turistas estão a jantar...”, lamenta Leonor. E é isso que faz a estudante de 17 anos optar por “estudar deitada na cama” e Paulo a usar a biblioteca.
Pragas de percevejos
Outro dos problemas, dizem, são as pragas de percevejos. Apesar de Paulo não ter nenhum no seu quarto, os seus colegas dos andares abaixo não podem dizer o mesmo. “Há um rapaz que ficou extremamente picado. A solução foi mudá-los de quarto e fazer uma desinfestação nesse quarto. Mas o problema não se solucionou, porque os percevejos aparecem constantemente.”
Sobre este problema, a Movijovem defende que as pragas “são uma realidade de toda a hotelaria mundial, desde pousadas a hotéis de cinco estrelas”. Refere que, “como qualquer hoteleiro profissional”, tem “procedimentos para a adopção de medidas de controlo imediato” e conta com “serviços especializados para assegurar que o ambiente se mantenha saudável e livre de pragas”.
Diz também ter como prioridade “proporcionar aos estudantes deslocados um ambiente seguro, confortável e propício aos seus estudos”. “Desde logo, de acordo com as necessidades dos estudantes em cada unidade, tem-se vindo a promover melhorias das condições, visto a maior parte das unidades estar vocacionada para estadas de curta duração”, continua.
A Movijovem diz ter feito adaptações para receber os alunos, como “meios para confecção, soluções de arrumos e espaços de estudo” nas unidades, e garante que chegará ainda “mais mobiliário” a dez pousadas, das 22 parceiras deste programa.
O Ministério da Juventude e Modernização defende que as Pousadas da Juventude "são uma solução de emergência para dar uma resposta imediata à falta de alojamento estudantil, enquanto decorrem obras de beneficiação de residências e de construção de novas residências". Aponta ainda que "há pousadas que se encontram a ser alvo de adaptações para acolher estudantes", e que foi dada "total autonomia e meios" às instituições de ensino superior para "fazerem a gestão das vagas disponibilizadas nas pousadas, articulando com a Movijovem as alterações e adaptações que sejam necessárias fazer" — tendo algumas já adquirido equipamentos, como frigoríficos. "Existem naturalmente limitações na utilização das Pousadas da Juventude, cujo core [objectivo principal] não passa por servir como residência estudantil", termina.
A falta de quartos para alunos deslocados já tem sido denunciada várias vezes ao longo dos últimos anos. Esta quinta-feira, um estudo da Edulog (think thank da Fundação Belmiro de Azevedo) consultado pelo P3 dava conta de que 15,4% dos alunos deslocados afirmam ter concorrido a um lugar numa residência estudantil, mas apenas 3% o conseguiram.
Também nas residências estudantis as cozinhas tinham motivado queixas por parte dos alunos. No ano passado, o P3 noticiou a inexistência de uma cozinha na Residência Novais Barbosa, no Porto, que obrigava os alunos a encomendarem comida pela UberEats ou a esconderem pequenos electrodomésticos nos quartos, já que a cantina também não funcionava em horário compatível com os dos estudantes.