Reconhecimento de Guaidó como Presidente da Venezuela é “ambíguo”, diz tribunal britânico
Juízes validam recurso apresentado pelo Governo de Maduro e anulam decisão de Julho sobre o detentor dos mais de mil milhões de dólares em reservas de ouro venezuelano depositadas no Banco de Inglaterra.
A batalha pela legitimidade do poder político na Venezuela conheceu na segunda-feira um volte-face significativo na Justiça britânica, cujo desfecho tem o elemento apelativo de dar ao vencedor o acesso a mais de mil milhões de dólares (perto de 850 milhões de euros) em ouro, depositados no Banco de Inglaterra, em nome do banco estatal venezuelano.
Um tribunal britânico decidiu aceitar o recurso interposto pelo Banco Central da Venezuela (BCV), subordinado ao Presidente Nicolás Maduro, e anulou uma decisão do Tribunal Superior, que validava o reconhecimento oferecido pelo Governo do Reino Unido a Juan Guaidó, como chefe de Estado interino da Venezuela.
Nessa decisão, de Julho, o juiz Nigel Teare argumentava não ser possível “reconhecer o Sr. Guaidó como Presidente de jure [de direito] e o Sr. Maduro como Presidente de facto” e concluía que “o líder da oposição Juan Guaidó tinha sido inequivocamente reconhecido como Presidente” pelo executivo de Boris Johnson.
Ora, o juiz Stephen Males veio agora dizer que esse reconhecimento é “ambíguo ou, em todo o caso, está longe de ser inequívoco”, cita a BBC, pelo que o processo terá de regressar ao Tribunal Superior.
Segundo o juiz, é necessário determinar se “o Governo do Reino Unido reconhece o Sr. Guaidó como Presidente da Venezuela para todos os efeitos e, portanto, não reconhece o Sr. Maduro como Presidente para qualquer efeito” ou se “reconhece que o Sr. Guaidó está habilitado a exercer, de facto, todos os poderes do Presidente, mas que o Sr. Maduro é quem exerce, de facto, alguns ou todos os poderes do Presidente da Venezuela”.
O Reino Unido foi um dos cerca de 50 países – incluindo Portugal, Brasil ou Estados Unidos – que em 2019 reconheceram o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como chefe de Estado interino da Venezuela, não aceitando os resultados das eleições presidenciais de 2018, que deram a vitória a Nicolás Maduro, segundo as autoridades eleitorais.
Ainda assim, Guaidó não foi capaz de cavalgar a onda de apoios internacionais declarados à sua reivindicação, nem de convencer o grosso do aparelho estatal e militar venezuelano a abandonar Maduro e o regime chavista.
Apesar de o braço-de-ferro político venezuelano não ter sofrido grandes alterações nos últimos meses, tanto Maduro como Guaidó olham com especial interesse para o desenvolvimento do caso judicial sobre o ouro depositado no Banco de Inglaterra.
Com a Venezuela a viver uma das mais graves crises económicas e sociais da sua História, com uma inflação galopante e uma moeda totalmente desvalorizada, e sem grandes possibilidades de tirar lucro do mercado petrolífero do país, devido às sanções internacionais que lhe foram impostas, o ouro armazenado em Inglaterra é uma das suas poucas soluções para importar, reinvestir e comprar moeda.
Segundo a Reuters, Maduro vendeu mais de 30 toneladas das reservas de ouro da Venezuela nos últimos dois anos nos mercados internacionais.
O BCV diz que o acesso às reservas de ouro é fundamental para a luta contra a covid-19 na Venezuela – que infectou mais de 79 mil pessoas e matou 658, segundo os números oficiais – e garante que os lucros da sua venda serão investidos na economia venezuelana através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Guaidó e os seus apoiantes afirmam, no entanto, que Maduro quer será canalizar o dinheiro para o reforço do controlo do aparelho económico, político e institucional do Estado e da “actividade corrupta” e ilegal do Partido Socialista venezuelano.
Vanessa Neumann, embaixadora nomeada por Juan Guaidó para o Reino Unido e a República da Irlanda, espera que o tribunal volte a pronunciar-se sobre o caso durante as próximas duas semanas.