O que foi não volta a ser
Em streaming na Netflix, um tocante documentário sobre cumprir os seus sonhos demasiado cedo e demasiado depressa: Best Worst Thing That Ever Could Have Happened.
Como é que um documentário que parece ser, apenas, sobre um musical falhado da Broadway acaba por ser um olhar tocante sobre crescer, tornar-se adulto, aceitar o seu destino? É esse o paradoxo levantado e resolvido por Best Worst Thing That Ever Could Have Happened, documentário de 2016 (em streaming na Netflix) sobre a criação, o casting, os ensaios, a estreia e o fracasso do musical de 1981 Merrily We Roll Along, com letra e música de Stephen Sondheim e encenação de Harold Prince.
E a explicação é muito simples, embora seja também muito complicada de explicar: este não é um filme sobre o musical em si, mas sim sobre o seu elenco e sobre o impacto da peça na sua vida e carreira. O realizador é Lonny Price, um dos protagonistas de uma produção cujo elenco era composto inteiramente por jovens actores sem currículo aspirando a uma carreira na Broadway. E o primeiro golpe de asa de Price é recorrer a imagens de época reencontradas nos arquivos da cadeia ABC, filmadas para um documentário que nunca foi terminado, que alterna com entrevistas contemporâneas ao elenco.
Stephen Sondheim, compositor que iniciara carreira a escrever as letras para West Side Story, e o produtor e encenador Harold Prince eram, nesse início da década de 1980, os reis da Broadway, saídos de uma sucessão de musicais inovadores e populares que culminara com o triunfo de Sweeney Todd. Merrily We Roll Along adaptava uma peça teatral dos anos 1930 de George Kaufman e Moss Hart, contada “de trás para a frente” um pouco como o Memento de Christopher Nolan — fazia rewind ao percurso de três amigos, três jovens idealistas com o futuro nas mãos, tornados em sobreviventes cínicos e individualistas.
O segundo golpe de asa de Best Worst Thing é duplicar o dispositivo da peça: confronta as/os jovens que, em 1981, acreditavam no sonho da Broadway com as mulheres e homens que, em 2016, reflectem sobre o modo como esse sonho mudou as suas vidas como não esperavam que o fizesse. Merrily We Roll Along foi mal recebido pela crítica e um desastre de bilheteira que, depois de meia centena de tryouts (ensaios gerais com público, destinados a limar a peça antes de chegar à Broadway), apenas teve 16 representações.
O único actor do elenco a quem o estrelato verdadeiramente sorriu foi Jason Alexander, o George Costanza de Seinfeld. Lonny Price tornar-se-ia encenador em companhias regionais, Jim Walton fez uma carreira de segunda linha na Broadway; Ann Mitchell mudou-se para a Florida e trabalha com crianças deficientes, Abby Pogrebin tornou-se jornalista e escritora.
Mas todos eles viveram, em 1980 e 1981, um “curso intensivo” sobre o reverso da fachada do “sonho americano”, um carrossel de emoções cujo circuito da euforia à depressão foi acelerado pela pressão das expectativas elevadas, pela sensação de lhes ter saído a taluda logo ao primeiro jogo. Com a passagem do tempo a servir como decantador, Best Worst Thing That Ever Could Have Happened transforma-se aos poucos num retrato de um grupo de pessoas que aprenderam a fazer as pazes com os jovens que foram, e a reconciliar isso com os adultos que são. Um filme sobre o que podia ter sido e sobre o que realmente foi, contado com elegância e um bem-vindo pudor que procura levar o espectador a perceber o que todas estas experiências significaram para quem as viveu, ontem como hoje.
É o terceiro golpe de asa de Best Worst Thing: por uma vez, o final feliz (ou tão feliz quanto a realidade o permite) não está na ficção.