Cristo vai fazer-me falta

Acreditar infinitamente, ter fé, esta que se quer que venha do nosso âmago, mais do que dos nossos olhos, também é ver, mais ainda participar, é estar presente também em corpo

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Pormenor de uma oliveira na Praça de São Pedro em tempos de coronavírus Reuters/REMO CASILLI

Poderá a muitos ser indiferente; para mim não o é. Esta não é uma Páscoa a que chamarei normal e sei que, por muito que me esforce, não a viverei desse modo. E nem será por faltarem as amêndoas ou outros doces que, com cuidados, podemos comprar; nem faltará a cruz que coloquei em casa, como faço todos os anos, nem as flores que compro sempre amarelas e roxas por estes dias.

Mesmo sendo a Páscoa mais um sentimento profundo do que um acto, que se espera transformado numa entrega de reflexão existencial, a Páscoa obedece e transparece em belos rituais e ajustadas palavras que nos fazem reflectir.

Reflectimos Deus, reflectimos talvez um pouco mais o Seu Filho e reflectimo-nos. Porque acreditar infinitamente, ter fé, esta que se quer que venha do nosso âmago, mais do que dos nossos olhos, também é ver, mais ainda participar, é estar presente também em corpo, porque ninguém ama só em sentimentos, também ama em presença.

Sei que é Páscoa em cada momento que a materializamos em actos, em boas acções, no respeito pelos outros, na entrega que fazemos do que de melhor há em nós pelos outros, à semelhança de Cristo por nós… mas eu também gosto e preciso dos silêncios que são preenchidos e iluminados pelos rituais e pelas palavras cuidadosamente escolhidas que os acompanham e que lhes dão vida. As orações ditas numa igreja, o eco que fazem nesse espaço de penumbra e que se projectam em nós, os cânticos que mesmo desafinados serão sempre rezar duas vezes, tudo vai fazer-me falta.

E faltará Cristo em mim quando Ele é aí pão que me alimenta. Vai fazer-me falta ter Cristo a entrar na minha casa, naquele delicioso nervoso miudinho de quem recebe um rei. E mesmo que seja uma imagem, apenas um símbolo simples em Sua representação, mesmo que eu tenha sempre de O encarnar em afeição no beijo que lhe dou, na cerimónia de veneração da cruz que reproduzo em desenho imaginário em mim à sua chegada e na sua despedida, terei no domingo de O imaginar e isso criará em mim um pequeno vazio.

Por tudo isso, sem pudor algum, no assumir da minha mais humilde melancolia de ser humano, em verdade vos digo: Cristo vai fazer-me falta.

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