Discurso de Saramago ilustrado por João Fazenda

José Saramago falou sobre os seus avós na cerimónia de entrega do Nobel da Literatura, em 1998. Um livro ilustra parte dessas suas palavras. Para leitores de qualquer idade.

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“Mais do que ser de um Nobel, o que interessa sempre é a magia do texto, identificarmo-nos com ele e sentirmos vontade de o ilustrar”, diz o ilustrador João Fazenda
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“No nverno, (...) iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama” João Fazenda
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“Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando” João Fazenda
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“Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir" João Fazenda
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Capa do livro Jerónimo e Josefa, editado pela Tcharan João Fazenda

Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha. Assim se chamavam os avós de José Saramago, dois analfabetos sábios. Deles nos fala este livro, que reproduz parte do discurso que o escritor leu na Academia Sueca, no dia 7 de Dezembro de 1998.

Começa assim: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever.” E, algo paradoxalmente, logo nos conquista para a leitura. Numa descrição comovente do quotidiano dos avós e do seu próprio, José Saramago retrata a dureza dos trabalhos do campo, mas também momentos de reconforto e ternura.

O escritor diz ter tido consciência de “que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer”.

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“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever” João Fazenda

Palavras que podem ser lidas e entendidas por crianças e por adultos e que aparecem agora ampliadas de sentido pelas ilustrações de João Fazenda.

Quis chegar a um equilíbrio entre o lado pessoal e o lado universal do texto”, diz o ilustrador ao PÚBLICO, contando que “não foi fácil o processo de pesquisa até encontrar o tom visual certo”. Diz ainda que não conhecia o discurso, mas logo se identificou com ele. “No entanto”, lembra, “demorei até perceber que ambientes queria que tivesse, quis limpar um pouco o imaginário neo-realista”.

Também levou tempo a chegar “às figuras, às personagens que vivem naquela paisagem” e evitou que a obra se tornasse “um álbum de família, quase documental”.

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O ilustrador evitou que a obra se tornasse “um álbum de família, quase documental” João Fazenda

A pensar no público mais novo, “não sendo o livro propriamente uma história com princípio, meio e fim”, João Fazenda teve a preocupação de que essa “falta de narrativa fosse visualmente compensada com a sucessão dos dias e das noites”. E explica: “Tentei que o livro tivesse uma história e, como há ali a questão do tempo, que eles [os miúdos] percebessem esse encadeamento.”

Conseguiu chegar ao tom que procurava através “de aguarelas e de um registo mais fluido do que é habitual”, descreve.

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“O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer”, disse a avó de Saramago. “Não disse medo de morrer, disse pena de morrer“ João Fazenda

Uma verdadeira e sentida homenagem aos avós

Uma das editoras, Adélia Carvalho, conta ao PÚBLICO via email como se chegou até a este livro: “A Tcharan sonhava com a ideia (meio utópica) de um dia poder editar um texto do nosso grande José Saramago.”

Com o início das comemorações do centenário, o sonho voltou a aparecer. “Procurei textos do autor que não estivessem publicados em livro, crónicas, poemas, entrevistas... algo que desse para fazer um livro ilustrado para todas as idades.”

Lembrou-se então do discurso da entrega do Nobel: “Reli-o e voltei a ficar rendida, parecia que ainda estava a ouvir o Saramago, naquele dia tão feliz para Portugal. A parte inicial em que fala da sua infância é uma verdadeira e sentida homenagem aos seus avós e às suas origens.”

Obtida a autorização da Fundação Saramago, após reunião com Pilar del Río, “viajei de Lisboa para o Porto e não cabia em mim de tanta alegria”, passou-se à fase de encontrar quem ilustrasse aquelas palavras iniciais do discurso. Em conjunto com a outra editora da Tcharan, Marta Madureira, chegaram rapidamente ao nome de João Fazenda.

“Teria de ser outro grande nome, que honrasse o nome de Saramago, que interpretasse o texto com a leveza e poeticidade que o texto pedia. O primeiro nome foi logo João Fazenda, que aceitou de imediato.”

Quanto ao resultado, dizem: “Achamos que foi a união perfeita. Fez um trabalho formidável, está um livro fluido, luminoso, com umas cores fantásticas, com um traço que parece que foi tudo fácil, mas sabemos que o João demorou a encontrar o caminho.” Assim o confirmámos depois.

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“(...) tive consciência de que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer (...)” João Fazenda

Sobre a responsabilidade de ilustrar um texto “famoso e recordado” de um escritor tão importante, João Fazenda diz: “Não podemos pensar muito nisso, sob pena de não conseguirmos fazer nada. Mais do que ser de um Nobel, o que interessa sempre é a magia do texto, identificarmo-nos com ele e sentirmos vontade de o ilustrar.” Foi o que aconteceu. E ainda bem.

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