O impacto do sal na saúde do coração
Os portugueses consomem em média cerca de 10g de sal por dia, o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde. (...) Potencialmente, poderíamos salvar a vida de 610 portugueses todos os anos, apenas, com a redução do consumo de sal.
São inúmeros os malefícios do consumo exagerado de sal para a saúde do coração. Desde logo, a pressão alta ou hipertensão arterial, que é responsável pela perda de nove milhões de pessoas/ano em todo o mundo, sendo o principal fator de risco de morte à escala global. Este problema acontece porque a hipertensão arterial pode provocar acidentes vasculares cerebrais (AVC), aneurismas, enfartes agudos do miocárdio, insuficiência cardíaca e renal.
Mas como é que isto tudo se desenvolve a partir do sal?
O nosso sangue apresenta uma concentração de sódio muito bem equilibrada. O sódio, que compõe 40% do sal, sendo o restante cloreto, ao ser ingerido em excesso vai ultrapassar a capacidade que o rim tem em excretá-lo na quantidade suficiente para manter o tal equilíbrio. Isto vai levar a que o rim, além de reter o sódio, tenha também que reter água para manter a concentração do sódio. É este excesso de água dentro do nosso organismo que vai fazer com que aumente a pressão dentro dos vasos sanguíneos. A hipertensão arterial, por sua vez, vai criar um problema a todo o sistema cardiovascular, induzindo lesões dentro da camada mais interna das artérias, o endotélio, podendo levar à sua rutura ou estimulando a aterosclerose, que é deposição de placas de gordura e de cálcio. A aterosclerose é o primeiro passo para o enfarte agudo do miocárdio ou para a principal forma de AVC. A lesão de vasos muito pequenos nos olhos e nos rins leva a perda de visão e de insuficiência renal podendo ainda provocar hemorragias cerebrais.
Para além destas lesões nas artérias a hipertensão arterial faz com que o coração, a nossa bomba vital, tenha que trabalhar mais e com mais força para bombear o sangue na corrente sanguínea, contra uma pressão cada vez mais elevada. Este estímulo permanente sobre o coração vai fazer com que as suas paredes, constituídas por músculo, o miocárdio, engrossem - ficando mais rígido e menos elástico. Isto faz com que o coração tenha dificuldade em distender ao receber o sangue para depois lançá-lo novamente na circulação global. Estes doentes podem experimentar sintomas de insuficiência cardíaca tais como: cansaço, falta de ar com os esforços ou pernas e pés inchados. Pode ainda haver outras alterações da estrutura cardíaca como a dilatação das cavidades, como as aurículas (cavidades que recebem o sangue das veias e dos pulmões e que depois lançam o sangue nos ventrículos). A dilatação das aurículas pode provocar diversos tipos de arritmias em que os doentes podem sentir batidas muito fortes e rápidas, chamadas de palpitações. Em casos mais extremos da hipertensão arterial podemos ter a dilatação dos ventrículos, os verdadeiros motores do coração, provocando a sua progressiva falência e mais uma vez produzir sintomas de insuficiência cardíaca.
Dentro do coração existem ainda as válvulas, que também podem ser danificadas levando ou à sua insuficiência, incapacidade em fazer com que o sangue não reflua, ou à sua falta de abertura ficando apertadas. Mais uma vez os sintomas que se geram são de insuficiência cardíaca.
Não pense que a insuficiência cardíaca é uma doença de um grupo restrito de pessoas. Em Portugal, cerca de 500 mil portugueses sofrem desta patologia e o sal teve um papel decisivo na sua origem ou nas várias descompensações ao longo do curso da doença com necessidade de internamento.
Claro que o número de hipertensos é bem maior. Em Portugal, segundo o estudo PHYSA (Portuguese Hypertension and Salt Study) em 2014, dois milhões de portugueses sofriam de hipertensão arterial, sendo que apenas 50% destas pessoas sabiam que sofriam da doença, apenas 25% estavam medicadas e só 11% tinham a tensão arterial controlada. Numa atualização mais recente estes números melhoraram, mas ainda estão longe do que deve ser o controlo da hipertensão arterial.
De todos os fatores responsáveis pela hipertensão arterial e pela hipertensão arterial medicada, mas não controlada, o sal será, porventura, o principal. Os portugueses consomem em média cerca de 10g de sal por dia, o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde.
Nos primórdios da evolução humana, o sal não estava à disposição dos nossos antepassados e, como tal, a natureza criou-nos como máquinas conservadoras de sódio, um dos componentes do sal. Isto foi benéfico até termos descoberto que o sal podia também conservar os alimentos. Numa altura que ainda não havia refrigeração, podermos conservar os alimentos fez a diferença entre a vida e a morte. Atualmente e com a abundância de comida, esta vantagem tornou-se uma desvantagem. Estamos preparados geneticamente para comermos dez vezes menos sal do que ingerimos hoje em dia. Se reduzíssemos o consumo de sal a menos de 5g/dia, o que seria fácil se não consumíssemos produtos processados e se não acrescentássemos sal à comida, podíamos prevenir 23% de mortes por AVC e 17% dos enfartes cardíacos fatais.
Potencialmente, poderíamos salvar a vida de 610 portugueses todos os anos, apenas, com a redução do consumo de sal.
Algumas campanhas da sociedade civil visam informar a população acerca dos perigos do consumo excessivo de sal e da forma como devem alterar os seus hábitos - é exemplo disso o programa de educação “Menos Sal Portugal”.
Assim, e para a maior parte dos casos de hipertensão arterial as pessoas devem alterar o seu estilo de vida passando por:
- reduzir o consumo de sal para menos de 5g/dia;
- reduzir o consumo de produtos animais e de gorduras saturadas;
- aumentar o consumo de vegetais e de fruta comendo pelo menos 9 porções por dia;
- moderar o consumo de álcool/dia a 2 copos de vinho para o homem e um para a mulher;
- praticar exercício físico regularmente, pelo menos 5 dias por semana, pelo menos meia hora por dia;
- reduzir o peso corporal com o objetivo de ter o índice de massa corporal abaixo de 25, saindo da zona de excesso de peso e de obesidade;
- deixar de fumar;
- evitar medicamentos que possam causar elevação da pressão arterial como os anti-inflamatórios.
É assim importante que as pessoas saibam o impacto do sal no seu coração de modo a tomarem medidas que levem à sua redução efetiva de forma a reduzir o seu risco cardiovascular, risco de morte e de incapacidade.