Arquitectura
Os irmãos Morgado levaram a cidade para dentro da Casa do Avô Martinho
José Morgado decidiu mudar de vida quando soube que ia ser pai de gémeos. Trabalhava há dez anos no Porto como designer de interiores, mas achou que teria melhor qualidade de vida com a sua família num meio mais pacato. A escolha da nova morada não podia ser mais fácil: a casa “na sua aldeia natal”, construída pelo avô, na freguesia de Touro, em Vila Nova de Paiva, Viseu. A esposa, enfermeira, conseguiu transferência para o interior e José convenceu também o irmão, Mário Morgado, a regressar às raízes.
A Casa do Avô Martinho é o primeiro trabalho da empresa de arquitectura e design de interiores que criaram, a Covo Interiores — nome inspirado no rio Covo, afluente do Paiva, que nasce em Touro. Tipicamente beirã, a casa havia sido construída pelo avô dos irmãos, Martinho, aquando do regresso a Portugal na década de 1940, depois de 14 anos a morar no Brasil. A propriedade original contava ainda com um palhal, onde o avô “guardava os cereais e a pipa do vinho”, também reaproveitado.
O projecto de remodelação foi rápido (“por necessidade de ter um espaço para viver”) e as ideias basilares foram claras: manter a aparência rural, conjugando-a com o “conforto da vida moderna”. Pormenores como a tradicional telha marselha, original da casa, ou a grade na varanda da fachada frontal, em ferro forjado cravado, permitiram manter a casa “integrada no casario” e na estrutura da aldeia. O interior foi outra história.
Apesar de querer fugir da azáfama urbana, José Morgado queria manter a ligação com a urbe e fê-lo através da remodelação total do espaço interior. Priorizando o conforto, o designer procurou seguir um estilo mais “minimalista e contemporâneo”, conta ao telefone com o P3. O aspecto "urbano” que quis preservar no dia-a-dia da família foi também influenciado por correntes nórdicas, resultado dos tempos de Erasmus na Finlândia. Apesar disso, a parte rústica está sempre presente dentro de portas, nas janelas: “A pedra da vizinhança entra para casa, são quase quadros.”
O bloco principal acolhe o espaço habitacional, com dois andares de 55 metros quadrados. No interior, as luzes coloridas e os traços minimalistas “maximizam” os limites construídos e “limpam visualmente o espaço que em si já é reduzido”. A decoração é em cores neutras, com apontamentos de verde-musgo a simbolizar a natureza circundante.
O piso térreo, outrora utilizado para guardar os animais, é agora o lugar da sala de estar e da cozinha, dividida por uma caixa central em madeira de carvalho que inclui a escadaria e instalações sanitárias. É nestas escadas que fica um dos “quadros” da paisagem circundante, explica José Morgado: “Quando estamos a subir, vemos o edificado à frente, a pedra rústica da malha urbana vizinha, as telhas, paredes revestidas de hera. A ruralidade entra para a casa.” O piso superior é composto por dois quartos e casas de banho. Já o palhal, contíguo ao bloco principal, deu lugar a um pequeno estúdio, local de trabalho do designer.
O projecto acrescentou um terceiro edifício à casa, o exemplo perfeito da introdução do “carácter contemporâneo” sem romper com as raízes rurais. No lugar de dois palhais comprados aos vizinhos, José construiu um anexo com um “rasgo de luz” a amparar um terraço com vista para a Serra da Nave. “Vim para a aldeia, mas não usufruía da paisagem porque a casa estava confinada num beco, numa malha urbana muito apertada”, conta José, acrescentando que o pormenor iluminado confere “um elemento externo” à obra, sem destoar da alvenaria de pedras reaproveitada dos palhais e trabalhada por pedreiros locais.