“Não há condições para uma nova ‘geringonça’”
O deputado do Bloco de Esquerda Pedro Soares decidiu não se recandidatar nas eleições legislativas. Uma decisão pessoal que, sublinha, é também política.
Nas eleições legislativas que se avizinham, o deputado Pedro Soares, defensor da renovação e limitação de mandatos, não se recandidata. Não o faz por motivos pessoais, que diz serem também políticos, e sobre os quais falará melhor depois de Outubro. Admite voltar à Universidade de Lisboa, para dar aulas no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território. Defende que a actividade do BE tem de fazer jus à sua génese, que não se pode deixar “assimilar pelo sistema”, que a parte parlamentar é importante, mas os movimentos sociais também. Apesar de algumas críticas — entende, por exemplo, que devia ter havido um segundo acordo escrito com o PS —, admite que esta legislatura teve aspectos importantes para a democracia, vincando o “papel activo” da Assembleia da República na definição de políticas; invertendo o “fado” de que os portugueses precisavam de “empobrecer”; e mostrando que não há só os partidos do “bloco central”. Não tem dúvidas: O BE teve “um papel crucial em todos estes processos”.
Que balanço faz do seu mandato?
As principais áreas de intervenção foram sobretudo no ambiente e habitação. A possibilidade de aprovação da Lei de Bases da Habitação é um marco histórico fundamental. Em termos ambientais, ganhou o topo da agenda política e do debate social a questão das alterações climáticas e a preservação do nosso ambiente. Foi feito muito trabalho, avançou-se muito e, em particular, nestas duas áreas em que estive empenhado.
Então, por que decidiu não se recandidatar?
Por opção própria. Há razões de carácter pessoal, que também são políticas e que, em devida altura, poderei aprofundar, mas neste momento estamos num período pré-eleitoral. É fundamental que o BE tenha um grande resultado eleitoral nas legislativas. O reforço da esquerda no Parlamento e no país é muito importante, é nisso que estou focado.
Pode depreender-se das suas palavras alguma crítica ou desilusão com o rumo do BE?
Não, desilusão nenhuma. O BE é um partido plural, em que as diferenças políticas são legítimas e uma riqueza do próprio BE. É natural que haja diferenças políticas e divergências, que haja conceitos diferentes relativamente aos caminhos políticos do partido, de concepção do próprio partido, como se organiza, como é dirigido. Mas temos momentos próprios para isso e, neste momento, o que é fundamental é contribuirmos para um bom resultado do BE, para consolidar a posição do BE como terceira força política, reforçá-la, e estou absolutamente empenhado nesses objectivos.
Faz parte da Via Esquerda. Como define o papel que assume esta corrente no BE?
Um dos aspectos essenciais do BE é a capacidade de debater alternativas. E a criação de um espaço de debate político que envolve não só militantes do BE mas também exteriores ao BE é essencial para que possamos ter uma visão de futuro, um horizonte bastante largo em relação àquilo que o BE deve ser. O que se pretende é ter um espaço que se caracteriza como ecossocialista, claramente de esquerda, socialista, em que as questões da ecologia e do ambiente são centrais. Esse espaço faz o seu caminho e eu tenho muito gosto na participação nele.
O que foi sendo publicado sobre a Via Esquerda dava conta de uma atitude crítica em relação ao rumo que o BE seguiu. Partilha desta visão?
Mal de nós se não tivéssemos capacidade crítica e até autocrítica relativamente àquilo que o BE é ou tem sido. Julgo que corremos alguns riscos com o crescimento do BE, com a afirmação do BE. Há riscos que se correm, é natural que se corram. Temos é de saber enfrentá-los e impedir que assumam uma dimensão grave. Há uma pressão grande para a institucionalização do BE, para que a sua actividade política seja sobretudo centrada na actividade parlamentar, para que haja uma atitude de proximidade em relação ao PS que tem de ser definida. Essas matérias têm de ser debatidas, sujeitas a crítica, e há espaços para isso, momentos para isso. Neste momento, temos é de juntar forças para enfrentar as eleições legislativas que vão ser difíceis, mas que vão ser muito decisivas para o futuro.
Acredita que vai haver uma nova “geringonça” depois destas legislativas?
Acho que não há condições para que haja uma nova “geringonça”. Se o cenário das legislativas for aquele que as sondagens têm vindo a desenhar, o BE terá um papel central na definição da política do país nos próximos tempos. Como o deve fazer, na minha opinião, acho que não deve vincar alianças governamentais com o PS. Deve ter uma atitude de procurar novos avanços em termos económicos, sociais, mas com uma afirmação clara do seu programa, da sua política. Isso é decisivo para a afirmação da identidade do BE. O Miguel Portas tinha uma frase muito interessante que era a de que não gostava de uma política de melhorismos. Nós temos de, além de tudo aquilo que é importante fazer que melhore as condições de vida, conseguir apresentar um modelo de sociedade, de economia próprio, diferente daquele que tem levado o país para situações de grande dificuldade. É fundamental ter a clareza de um novo horizonte, de uma nova sociedade, de uma nova economia, e é preciso que o BE se afirme precisamente como um partido emancipatório, capaz de afirmar essa alternativa. É decisivo para que o BE possa ter a ambição de mudar o país efectivamente.
Considera, portanto, que não há condições para uma nova “geringonça”?
No modelo que acabámos de ter nesta legislatura, acho que não, porque foi em condições históricas muito particulares. Julgo que essas condições não se vão repetir agora, depois das eleições legislativas.
Então de que forma pode o BE dar o contributo para mudar a sociedade? Fazendo parte de um Governo, na oposição?
Aproximadamente a meio desta legislatura devíamos ter confrontado o Governo e o PS com um novo caderno de encargos. Era fundamental para que o BE clarificasse a sua posição e os seus objectivos e metas e, ao mesmo tempo, obrigasse o PS também a clarificar as suas. Isso não foi feito. É necessário, na próxima legislatura, que fiquem muito claras as diferenças entre o BE e o PS, sendo certo que é fundamental, no Parlamento, procurar conjugar forças no sentido de aprovação de legislação que contribua para novos avanços nas condições de vida. Agora, não podemos deixar de ter no horizonte que queremos um outro modelo económico. Não partilhamos do modelo económico e social que o PS tem vindo a defender e cada vez fica mais complexo, com esta aproximação aos liberais na Europa. Essa aproximação estimula uma deriva liberal por parte do PS com consequências na Europa, na política nacional e no Governo. O BE não se pode compaginar com esse caminho. Sem cortar pontes, para que se aprove nova legislação, não pode deixar de apresentar uma alternativa própria, para a Europa, para o país, para a sociedade e para a economia.