Declarações de Berardo na comissão de inquérito vão chegar ao Ministério Público
Presidente da comissão, Luís Leite Ramos, pediu a transcrição urgente da audição. Conselho das Ordens Nacionais reúne-se esta sexta-feira para avaliar retirada das condecorações ao empresário.
O presidente da comissão de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos, Luís Leite Ramos, pediu aos serviços parlamentares uma “transcrição urgente” das declarações de Joe Berardo na semana passada, naquela sede, para enviar para o Ministério Público no sentido de avaliar a existência de indícios de crime. Segundo afirmou ao PÚBLICO o próprio Leite Ramos, esta foi a primeira diligência que desenvolveu na sequência da onda de indignação que gerou o depoimento de Joe Berardo. Mas não foi a única.
Num momento em que a perda das condecorações de Joe Berardo deverá ser avaliada pelo Conselho das Ordens Nacionais, Eduardo Ferro Rodrigues pediu a Leite Ramos (PSD) um parecer sobre o requerimento que o CDS enviou ao presidente da Assembleia da República, a solicitar que, por seu intermédio, seja solicitada à chanceler das ordens a instauração de um processo disciplinar com vista à irradiação de Joe Berardo dos quadros da Ordem do Infante D. Henrique.
Mas Ferro pode não esperar pelo parecer da comissão para enviar a carta do CDS ao Conselho das Ordens Nacionais, presidido por Manuela Ferreira Leite. O presidente da Assembleia da República admite enviar o requerimento com uma nota anexa a dizer que aguarda o parecer do presidente da comissão de inquérito sobre o pedido dos centristas. “Não posso nem devo tomar posição sobre o que quer que se passe numa comissão de inquérito, a não ser por solicitação ou parecer positivo do seu presidente”, declarou Ferro Rodrigues ao PÚBLICO.
Para lhe dar esse parecer, Leite Ramos solicitou aos serviços “uma nota de enquadramento jurídico” sobre as declarações de Joe Berardo no Parlamento e agendou uma reunião urgente de mesa e coordenadores da comissão de inquérito “para ouvir as suas considerações e avaliações” sobre este tema. “Espero depois fazer o meu juízo político e redigir o parecer para enviar ao Presidente da Assembleia da República”, disse ao PÚBLICO. “Tudo farei para que o parecer siga ainda amanhã [quinta-feira], uma vez que sexta-feira é a reunião do órgão que gere as comendas”, acrescentou.
A reunião extraordinária do Conselho das Ordens Nacionais foi convocada esta quarta-feira, depois de o Jornal de Negócios ter noticiado que o Presidente da República, a quem cabe a decisão final sobre a retirada das condecorações, não se opõe a esse cenário. Informação confirmada pelo PÚBLICO por fonte de Belém, que, no entanto, sublinha que não cabe ao chefe de Estado qualquer iniciativa ou participação na decisão, senão depois de haver uma proposta aprovada naquele Conselho.
Perda de condecorações sem condenação seria inédita
Joe Berardo arrisca-se, assim, a perder as duas condecorações que recebeu ao longo da sua vida: uma comenda da Ordem do Infante D. Henrique que recebeu em 1984 de Ramalho Eanes e a grã-cruz da mesma ordem, atribuída por Jorge Sampaio em 2004. O que seria totalmente inédito. A acontecer, será a primeira vez que serão retiradas condecorações a alguém que não foi condenado em tribunal por crimes com pena superior a três anos de prisão. Nos casos de Carlos Cruz, Armando Vara ou Jorge Rito, houve condenações a prisão efectiva.
Apesar de Joe Berardo não ter sido condenado a nenhuma pena, a lei prevê que os titulares das ordens honoríficas possam perder os títulos se não cumprirem os deveres das ordens. Segundo o ponto 1 do Artigo 54.º da Lei das Ordens Honoríficas, os membros são obrigados a “defender e prestigiar Portugal em todas as circunstâncias; regular o seu procedimento, público e privado, pelos ditames da virtude e da honra”. O artigo 55.º determina também que, “sempre que haja conhecimento da violação de qualquer dos deveres enunciados no artigo anterior, deve ser instaurado processo disciplinar, mediante despacho do chanceler do respectivo conselho”.
O comportamento de Joe Berardo na audiência de inquérito à Caixa poderá não ser entendido como “virtuoso e honroso”, nem sendo dignificador das ordens de que é titular e de Portugal. Se o conselho composto pela chanceler Manuela Ferreira Leite e os vogais Isabel Mota, José Silva Peneda, Manuel Braga da Cruz, Bagão Félix (todos distinguidos igualmente com a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique), Elvira Fortunato (grande-oficial da mesma ordem), Maria Velho da Costa (grande-oficial da Ordem da Liberdade) e Carlos Beato (comendador da Ordem da Liberdade) –, assim o entender, poderá ser instaurado um processo disciplinar por parte das Ordens Honoríficas, que têm como grão-mestre o Presidente da República.
À onda de indignação sobre as declarações de Berardo no Parlamento juntou-se o líder do PSD. Rui Rio referiu-se à audição “incrível” do (ainda) comendador e acusou os socialistas de serem “cínicos” por se mostrarem “chocados” com as declarações do empresário quando “não estão chocados com a nomeação da administração da Caixa Geral de Depósitos” que permitiu o empréstimo. “Quem deve estar chocado devem ser os portugueses todos, que vão pagar isto”, disse.
Rui Rio disse concordar com a proposta do CDS de retirar as condecorações a Joe Berardo. “Acho muito bem e já agora deviam era alargar a lista”, disse o líder do PSD. Questionado sobre se queria dar exemplos, o líder do PSD respondeu. “É melhor não dar, mas vêm-me nomes à cabeça”. Com Mariana Adam e Sofia Rodrigues