Zeca Pagodinho: “O samba é toda a minha vida, é p’ra ele que eu vivo”
Treze anos após a sua estreia nos coliseus, Zeca Pagodinho volta às mesmas salas com o samba a ferver-lhe no corpo e no sangue. Esta quarta-feira em Lisboa e dia 10 no Porto.
Em 2005 foi uma festa, nos coliseus de Lisboa e Porto. Estávamos no Verão, em Julho, e Zeca Pagodinho estreava-se naquelas salas, embora já antes tivesse actuado em Portugal, num casino do norte e “para animar um Carnaval em tempo frio”. Era também a primeira tournée europeia da sua vida, já que raramente saía do Brasil. Mas isso mudou. Com 35 anos de carreira, já viaja mais, sobretudo pela Europa: “Já fui a alguns lugares, mas agora estou voltando de novo”, diz ele ao PÚBLICO. Entre Lisboa (esta quarta-feira, às 21h) e Porto (dia 10, às 22h), actua em Genebra e Zurique, rumando depois a Berlim e Londres. “A gente muda, né? Mas Portugal é minha casa, meu quintal.” O marco dos 35 anos de carreira não lhe pesa: “O que eu fiz foi o que Deus mandou”, diz. E foi música: “O samba é toda a minha vida, é p’ra ele que eu vivo”
Nascido Jessé Gomes da Silva Filho no bairro carioca do Irajá, em 4 de Fevereiro de 1959, o nome Zeca nasceu de um acaso, como ele já contara ao PÚBLICO em 2005: “Na família me chamavam Seca, Sequinha. Alguém na rua escutou Seca, entendeu Zeca e ficou assim.” Já Pagodinho tem origem no género de samba a que ele sempre esteve mais ligado, o pagode, cultivado na boémia dos fundos de quintal: “Tinha a nossa ala, um bloco boémio de Irajá, e a da nossa família era a ala do pagodinho. Como eu era mascote, tinha 13 anos e saía no meio deles, todo o mundo dizia: ‘Pagodinho, Pagodinho’. Ficou.” Mas pagode, para ele, é samba mesmo. Só que boémio, “pelos botequins, pelos quintais.”
Abrandar, mas não parar
No início, ele era apenas compositor. Nos anos 70, diz a sua biografia oficial, “fez de tudo”: “Feirante, camelô, office-boy, contínuo e anotador de jogo do bicho.” Isso enquanto fazia amizade com sambistas de respeito, como Paulão Sete Cordas, Monarco ou Mauro Diniz. No início dos anos 80 viu gravada a sua primeira música (Amargura, uma parceria com o flautista e partideiro Cláudio Camunguelo) mas foi na voz de Beth Carvalho que as canções de Zeca tiveram o seu primeiro grande sucesso, com Camarão que dorme a onda leva (gravaria ainda Jiló com Pimenta). Alcione gravou depois Mutirão do amor.
Só em 1986 surgiu o seu primeiro disco a solo, Zeca Pagodinho. Vendeu 1 milhão de cópias. Mas a sua primeira gravação, em 1985, com outros sambistas, do Raça Brasileira, um disco colectivo, não foi fácil, como ele explicou em 2005: “A minha cabeça pirou. Eu, um cara rebelde, que não queria compromissos, tive que misturar disco, show, rádio, televisão, não sei o quê… Ora o que eu gosto mais é de cantar livre, de parar num botequim com mais dois e começar a tocar, fazer um samba na hora, versar.” Claro que isso também passou. Até hoje, Zeca Pagodinho gravou um total de 27 discos, os últimos dos quais Ser Humano (2015) e O Quintal do Pagodinho 3 (2016). Antes do palco ainda se enerva: “Claro! Porque quero fazer o melhor. Tenho de falar pouco, de me aborrecer pouco, ouvir pouca coisa triste, estar focado, descansar. Também já são 59 anos!” Mas após os primeiros minutos em palco, a idade não lhe pesa na energia. “Depois de entrar, e de tomar uma cervejinha ou um Pêra-Manca [um vinho português], tudo fica bom!” Com ele, terá um grupo fiel: “Mudou um músico ou outro, mas é a mesma rapaziada.”
Olhando para o Brasil de hoje, Zeca diz que na música “há muita gente boa aparecendo por aí.” E ele, o que ouve? “Qualquer música boa: Forró, Jackson do Pandeiro, Cauby Peixoto, Beth Carvalho, tem de ser música que me agrade.” O futuro, nos palcos, vê-o com maior acalmia. “Tenho de diminuir um pouco, cuidar mais dos netinhos, da família. Também já andei muito pelo mundo.” Mas deixar a música não está nos seus planos: “Se não fizer isso, vou fazer o quê?” Até porque, diz, “o samba no Brasil está sempre bom, não pára nunca. Ele sai da mídia, mas não sai das ruas, das casas, não sai da gente.”