Fica assustado quando ouve o nome “creatina”? Se calhar não devia…
Cada vez mais se tem visto a creatina como um suplemento não só para atletas mas também para idosos de forma a manter a massa e força muscular (e até eventualmente a massa óssea), mas também a performance cognitiva e memória a curto prazo.
Existem suplementos com boa reputação que não a merecem e outros que por mais que passem os anos e as notícias positivas sobre a sua utilização, não se conseguem desligar da sua reputação maldita. Por isso, o artigo de hoje é sobre o maior patinho feio dos suplementos, de seu nome creatina.
Uns acham que faz mal aos rins, outros que causa calvície ou retenção de líquidos ou até que é só para quem faz musculação. Uma situação bastante irónica sobretudo quando em simultâneo existe a ingestão de outros suplementos da moda de eficácia bastante duvidosa (para usar um termo simpático) como a glutamina, CLA, L-Carnitina, Coenzima Q10 que ao invés da creatina continuam com uma opinião pública imaculada mesmo após anos de desilusões no que diz respeito à evidência científica dos seus resultados.
O que é então a creatina?
A creatina é uma molécula produzida no nosso organismo a partir de três aminoácidos e que tem um papel decisivo na produção de energia, daí que as 80 a 130 g de creatina que possuímos no nosso corpo estejam localizadas principalmente no músculo e em pequena parte no cérebro, olhos e rins. Uma vez que as principais fontes alimentares de creatina se encontram na carne e no peixe, indivíduos que não ingerem estes alimentos com tanta frequência respondem melhor à sua suplementação.
A creatina apesar de ser dos suplementos com mais anos de investigação e maior número de estudos, é sempre olhada com alguma desconfiança relativamente aos seus potenciais efeitos secundários. Como tal reunimos em seguida alguns dos mitos associados à suplementação com creatina:
Faz mal aos rins?
Não. Apesar de existirem alguns estudos de caso que observaram uma deterioração da função renal após a suplementação em creatina, é importante referir que num dos estudos o indivíduo em questão apenas tomava 15g de creatina semanalmente (5g em 3 dias), quantidade manifestamente baixa para causar algum tipo de problema, e para além disso ingeria diariamente suplementos multivitamínicos e termogénicos com vários extractos de ervas. Por isso, imputar este episódio apenas à creatina acaba por ser abusivo. Nos outros estudos, apesar de não existirem outros suplementos ou esteróides a serem utilizados concomitantemente, as quantidades usadas foram 20g/dia durante pelo menos 1 semana, protocolo de suplementação que apesar de historicamente ser usado como “fase de carga”, parece não fazer muito sentido aos dias de hoje. Por outro lado, um outro estudo de caso observou que estas mesmas 20g/dia num indivíduo já com uma elevada ingestão de proteína (2,8g/kg/dia) e com apenas 1 rim, não exerceram nenhum tipo de alteração na função renal. Assim, muito possivelmente terão sido outros compostos presentes nos suplementos de creatina a desencadearem os episódios de nefrite e necrose aguda tubular a que se referiram os case studies acima citados. Mais uma razão para se optar uma versão de creatina que independentemente da marca escolhida, tenha segurança garantida nomeadamente na ausência de contaminantes com efeitos indesejados.
Deixando de lado estes estudos de caso, quando olhamos para trabalhos com amostras maiores, é praticamente unânime que a suplementação com creatina não possui qualquer efeito nefasto na função renal (mesmo com 10g/dia durante 3 meses, ou durante 1 ano), nem em diabéticos tipo II (com 5g/dia), onde pode inclusivamente melhorar o seu controle glicémico. É importante perceber que os níveis sanguíneos de creatinina podem estar elevados quer pela suplementação com creatina, quer pela maior massa muscular do indivíduo, quer no caso da análise sanguínea ter sido feita poucas horas após o treino (algo comum em quem treina praticamente todos os dias). Como tal, níveis de creatinina um pouco acima dos valores de referência são normais em pessoas que cumpram estes requisitos atrás descritos e não são sinal de que os rins podem entrar em colapso a qualquer momento. Outros indicadores como a microalbuminúria e a cistatina C, são bem mais sensíveis e adequados à avaliação da função renal em atletas, mesmo que recreativos.
Causa calvície?
Tal como falado para a função renal, existiu um estudo que observou um aumento de dihidrotestosterona após uma semana de suplementação com 25g/dia de creatina. Este metabolito da testosterona pode de facto levar ao encolhimento dos folículos capilares do couro cabeludo. Ainda assim, dos 13 ensaios clínicos que analisaram o efeito da creatina na testosterona, apenas 3 observaram diferenças ligeiras e sempre com quantidades acima das 20g/dia. Nenhum estudo investigou directamente o impacto da creatina na perda de cabelo e como tal essa ligação é muito abusiva. Convém não esquecer que um dos efeitos secundários que os esteróides anabolizantes possuem é justamente a queda de cabelo, sendo mais um dos casos em que não pode pagar a justa creatina pelos pecadores esteróides.
Causa retenção de líquidos?
Pode causar quando feita uma fase “de carga”. Isto é, quando se ingerem 20-25g por dia durante uma semana (ou 0,3g/kg/dia). Dois estudos que suplementaram creatina nestas quantidades durante 1 semana, observaram um aumento até 1kg de peso total e até 2 litros de água corporal total. Como os benefícios da suplementação de creatina podem ser atingidos com quantidades bem abaixo destas (3 a 5g/dia, durante 1 mês), não é necessário arcar com este efeito indesejável decorrente desta suplementação.
Que benefícios tem?
Os principais benefícios associados à creatina sempre estiveram ligados ao rendimento desportivo em exercícios intermitentes de alta intensidade, força e potência muscular. Nos últimos tempos cada vez mais se tem visto a creatina como um suplemento não só para atletas mas também para idosos de forma a manter a massa e força muscular (e até eventualmente a massa óssea), mas também a performance cognitiva e memória a curto prazo tendo inclusive uma função antioxidante.
Ou seja, a creatina não é um esteróide anabolizante, nas quantidades indicadas não causa nenhum dano renal, não deixa os homens sem cabelo, não aumenta a retenção de líquidos nas mulheres, é uma preciosa ajuda no treino da força e manutenção/aumento da massa muscular, e possui efeitos positivos na memória e função cognitiva em pessoas com stress crónico e em idosos. Se é obrigado a tomar? Logicamente que não. Mas sobretudo se for profissional de saúde, tente não assustar os seus pacientes (mais interessados e informados na área da suplementação), com o seu preconceito e falta de actualização científica sobre a creatina. Prefira antes educá-los a escolher uma marca segura e suplementar nas quantidades moderadas que não estão associadas a efeitos indesejáveis (3 a 5g por dia).
E já agora, pode trocar neste último parágrafo a palavra “creatina” por “whey” (proteína do soro do leite) e a mensagem será praticamente igual.