Limão, doce limão
Espaço simples e minimalista onde a cozinha, os produtos e técnicas têm todo o protagonismo. Mais que um restaurante, Pedro Limão é uma espécie de laboratório de degustação e sabores, onde cada refeição é uma experiência única e estimulante.
É um dos lugares mais estimulantes do movimento gastronómico que se tem espalhado pelo Porto e, no entanto, até foge ao conceito de restaurante no sentido tradicional de cozinha e serviço de mesa. Um espaço simples e minimalista, onde ganha protagonismo a cozinha aberta em contacto com os clientes e a provocar o convívio e interacção. Pedro Limão é uma espécie de laboratório de experimentação culinária para degustação e conversa à volta dos produtos e a forma de os cozinhar.
Pelo menos é este o espírito que o cozinheiro tenta imprimir em cada sessão, ou seja, aos jantares de cada dia, que é o modelo de funcionamento entre a segunda-feira e o sábado. E cada sessão é um momento único, com um menu de degustação à base de produtos do dia, normalmente composto por oito a dez variações (37€). Em elegantes e criativas doses, preparadas à vista dos comensais e a desafiar conversa.
O mentor é Pedro Limão, um cozinheiro criativo e comprometido com a exploração de produtos e texturas. Com equilíbrio, muita técnica e um conceito que quer envolver o cliente numa experiência sensorial ligada aos sabores. Ele próprio a estimula, procurando que questionem e queiram perceber o que está por detrás da concepção e daquilo que está no prato em cada momento do menu.
Um limão que não tem nada de amargo e antes se destaca pelo comprometimento, doçura e empenho que parece colocar na sua missão culinária. Pedro Barreiros era um urbanista (na Câmara de Viana do Castelo), que ganhou a alcunha de Limão apenas por causa dos poemas ácidos que gostava de escrever — e chegou mesmo a publicar —, mas que se cansou da vida convencional e horário de gabinete. Fugiu para Barcelona movido pela paixão gastronómica, e foge agora também do caminho convencional da cozinha de restaurante.
No Pedro Limão não há forno, o que obriga a técnicas alternativas como cozeduras a baixa temperatura, desidratados, fermentados, curados ou pickles. Como exemplo supremo, os “Cogumelos e pouco mais”, um dos pratos que nos couberam no menu numa primeira visita, ainda antes do final do ano. Um saboroso exercício com cogumelo em múltiplas preparações: desidratado, braseado (com maçarico) e na chapa, com complemento de maionese, um pó (a imitar terra) e uma espécie de açorda seca. Tudo a partir do cogumelo.
Sem forno, também a “Barriga de porco” se mostra desafiante na envolvência de sabor e gorduras, com as carnes a esfiar e impregnadas de sabor. Acompanhou com estimulantes pickles de legumes, outra genialidade do cozinheiro.
A degustação começou com o “Pão no tacho com açafrão e picante”, outra brincadeira (bem séria) em volta de sabores e aromas. Serviu para saborear várias maioneses, manteiga de pimento fumado e um azeite biológico. Igualmente desafiador o “Camarão, caramelo e fumo de tomilho”, com o caramelo a partir das cabeças do crustáceo.
Em grande estilo o “Ceviche com bicuda dos Açores, batata-doce e pó de cítricos”, com o tubérculo em dupla textura: um puré e um pickle em juliana. Cativante também o “Polvo com pili-pili” que chegou à mesa envolto numa emulsão feita a partir da gelatina da sua cozedura. Dava o efeito de clara de ovo e foi dos que mais interessante conversa suscitou com o cozinheiro. Normalmente, explicou Pedro, o acompanhamento é com tapioca.
A caminho da perfeição também o “Rabo de boi, cerveja preta e beterraba”, esta também em pickle, que parece ser uma das paixões nas experiências do cozinheiro. A terminar, “Trufa de cacau com chiripiti” com chocolate e algum álcool a preparar o palato para a sobremesa de “Pera cozida, marmelada e foie”. Em grande!
Numa segunda visita, já em tempos recentes, o menu oferecia canja de galinha, atum fumado, bife tártaro, lula e caril, sopa susete e queijo de cabra, além da já anteriormente experimentada barriga de porco. Saborosa e surpreendente a canja (com toque de gengibre?), um primor de execução com o atum e a lula com caril a revelarem-se como um dos pratos mais desafiadores da genial experimentação do laboratório culinário de Pedro Limão.
Para que ninguém vá ao engano, há que explicar que este é um espaço dedicado à degustação e experimentação, sem luxos ou mordomias. Simples e despojado, mobiliário minimalista, paredes em granito e apenas uma mesa, logo à entrada, a par da vitrina, com maior capacidade. Os restantes lugares não chegam às duas dezenas e alongam-se a par do balcão da cozinha em mesas para dois.
O serviço, a cargo da companheira de Pedro, é eficiente e tem sempre a preocupação de potenciar a degustação e exploração dos sabores. A condizer com o ambiente, também a carta de vinhos é despojada, procurando oferecer interessantes experiências com vinhos de nicho de produções alternativas.
Pedro Limão nem é ácido nem azedo, antes um doce estímulo que enriquece o movimento gastronómico a que o Porto assiste. Em jeito de conclusão, bem se pode dizer que este limão rima com desafio, técnica e emoção.