Arábia Saudita, o reino rico em petróleo quer olhar para lá do petróleo
Desde que se descobriu petróleo no deserto árabe em 1938, a Arábia Saudita é o principal Estado petrolífero do mundo e a força dominante na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Repleto de receitas que lhe vêm do petróleo, o país não tem impostos sobre o rendimento nem sobre as empresas, ao mesmo tempo que concede aos cidadãos subsídios elevados para alimentação e combustível. A família real construiu palácios espaçosos no país, enquanto comprava residências opulentas em Londres e iates no Sul de França.
Mas agora o reino rico em petróleo quer olhar para lá do petróleo. A queda nos preços do crude que começou em 2014 deixou a Arábia Saudita com um enorme défice orçamental. Os preços do petróleo recuperaram, mas os activistas climáticos tentam apressar o fim da idade dos hidrocarbonetos e muitos analistas prevêem a aproximação do “pico de procura”, que marcaria o fim de um longo período de crescimento do consumo global de petróleo.
Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro de 31 anos, filho do rei, está decidido a reinventar a economia saudita até 2030. O seu plano, chamado “Vision 2030”, iria
promover novas empresas privadas, melhorar a educação e diminuir o défice orçamental através do corte de subsídios e da
introdução de um imposto de valor acrescentado de 5%.
O mais surpreendente é que o Governo propôs a venda de uma parte da sua jóia da coroa, a companhia petrolífera estatal Saudi Aramco. Esta empresa, que durante décadas esteve nas mãos de quatro grandes empresas petrolíferas americanas e cuja nacionalização se transformou num símbolo político poderoso, tem um valor estimado entre um milhão de milhões e dois milhões de milhões de dólares; a sua oferta pública de acções poderia ser a maior de sempre. Muitos analistas acreditam que este gigante sigiloso esconde segredos muito bem guardados, como o custo real de um barril saudita e o valor dos pagamentos feitos à família real.
Muitas das reformas do Vision 2030 já foram discutidas anteriormente, mas de repente parecem urgentes. A população do reino aumentou 50% desde 2000 e há um grande número de jovens desempregados. O Governo tem pedido empréstimos externos para cobrir as despesas nacionais, que entraram numa espiral ascendente quando os preços do petróleo estavam altos. Em Março, o Governo estabeleceu os termos para uma obrigação islâmica no valor de vários milhares de milhões de dólares, que gera lucros para os investidores, ao mesmo tempo que respeita a proibição muçulmana quanto aos juros.
Quanto custa o Iémen?
Acredita-se que as despesas dispararam com a guerra no Iémen, onde a Arábia Saudita tem apoiado o Presidente cercado, Abed Rabbo Mansour Hadi. As despesas militares constituem um quarto do Orçamento oficial, e, segundo os analistas, o custo real do conflito no Iémen poderia estar a ser ocultado numa despesa orçamental extraordinária.
“Trata-se de estabilidade”, disse Bassem Snaije, um conselheiro financeiro que dá aulas sobre a Economia do Médio Oriente em duas grandes universidades francesas. “O Vision 2030 parece um programa positivo, mas eu chamar-lhe-ia ‘Obrigação 2030’. Os preços extremamente elevados do petróleo durante vários anos permitiram-lhes construir um sistema de despesas. Quando os preços do petróleo voltaram a descer para um valor mais razoável, queimavam capital mais depressa do que respiravam.”
Em última análise, Mohammed pretende que o reino seja capaz de manter um orçamento equilibrado e uma economia mais estável — sem ter em conta as receitas do petróleo, que em 2015 constituíram 72,5% das receitas do Governo.
“O Vision 2030 surge como resposta aos desafios que enfrentamos no médio e no longo prazo”, disse Mohammed al-Jadaan, que se tornou ministro das Finanças da Arábia Saudita em Novembro. “Precisamos de criar algo diferente que garanta que até 2030 fiquemos livres da nossa actual dependência do petróleo. Também surge como resposta a uma população jovem que procura um estilo de vida melhor.”
Al-Jadaan, que esteve em Washington para as reuniões de Primavera do FMI, acrescentou: “Há oportunidades significativas que não estamos a aproveitar. Talvez esteja na altura de começarmos a descobri-las.”
O Governo saudita usou as reuniões do FMI para realizar uma campanha de relações-públicas, uma tarefa complicada para um país que não trata as mulheres em pé de igualdade com os homens, onde o establishment do clero radical é poderoso, onde por vezes há execuções por decapitação e onde a oposição política é fortemente controlada e muitas vezes suprimida.
Os sauditas, que discordavam do presidente Barack Obama sobre os direitos humanos e sobre a sua recusa em intervir militarmente na Síria, aproximaram-se da Administração Trump. O príncipe Mohammed almoçou com o presidente Donald Trump no mês de Março. A primeira visita ao estrangeiro do director da CIA, Mike Pompeo, foi à Arábia Saudita, onde recebeu um prémio. O secretário da Defesa, Jim Mattis, foi a Riad há duas semanas.
Na semana passada, num discurso perante a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, o secretário de Estado, Rex Tillerson — presidente executivo de longa data da ExxonMobil —, afirmou que a Administração Trump está à procura de acordos para empresas americanas na Arábia Saudita e que se tinha reunido várias vezes com o embaixador saudita.
Com os olhos em 2030
O plano Vision 2030 está cheio de objectivos. Há 755 “iniciativas” só no programa nacional de transportes, disse Majed bin Abdullah al-Qasabi, o ministro saudita do Comércio e do Investimento, no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. Al-Jadaan declarou que o plano prevê duplicar o número de turistas, incluindo peregrinos que vão a Meca, com a construção de uma linha ferroviária entre Meca e Medina e um novo aeroporto.
O Fundo de Investimento Público, que se vai tornar um fundo de riqueza soberana mais activo, revelou planos para uma nova cidade de entretenimento do tamanho de Las Vegas, situada a sul da capital, Riad. Esta incluiria um parque temático da Six Flags e um parque de safaris — uma tentativa de incentivar os sauditas a passarem férias no país, em vez de no estrangeiro. O Financial Times noticiou que, com o objectivo de aumentar a popularidade do príncipe herdeiro, o Governo permitiu ao popular cantor saudita Mohamed Abdo actuar em público. O cantor esgotou quatro concertos, embora estes fossem só para homens.
Nos Estados Unidos, as atenções têm estado centradas na oferta pública inicial (OPI) da Saudi Aramco. Pavel Molchanov, analista de energia na empresa de consultoria Raymond James, chamou à Saudi Aramco “uma caixa negra total” e, há um ano, numa mensagem dirigida a investidores, comentou: “Se estiverem realmente dispostos a abrir as portas, isso irá marcar uma mudança colossal nas políticas.”
Os investidores estão ansiosos para conhecer os custos reais da produção de crude da Saudi Aramco, que se acredita serem cerca de quatro, cinco ou seis dólares por barril, devido à natureza das suas reservas prolíficas. Também se interrogam sobre qual será a verdadeira capacidade máxima de produção do reino, uma componente importante no cálculo das reservas nos mercados mundiais. As autoridades sauditas fixaram o valor das reservas nos 266 mil milhões de barris — um valor que se alterou pouco, apesar de o país ter continuado a ser o maior exportador do mundo.
Já houve algumas mudanças, antecipando uma maior transparência. O Governo revelou que a Saudi Aramco pagava um imposto de 85% e uma taxa de royalties de 20% e que iria diminuir o imposto para 50%, para ser mais apelativo para os investidores.
Pode ser mais, pode ser menos... ou pode ser mais
O assunto mais sensível de todos é a pergunta por responder sobre quanto dinheiro é destinado e entregue à dinastia Saud e aos seus muitos príncipes.
Jean-François Seznec, que dá aulas na Universidade de Georgetown e estudou de forma profunda os sectores bancário e financeiro no Médio Oriente, acredita que as receitas do petróleo são todas canalizadas para uma conta no Chase Bank — uma relação que remonta há cinquenta anos, à família Rockefeller. Actualmente, o Chase faz parte do JP Morgan. A partir daí, o dinheiro que pertence à família Saud é transferido para a Suíça e para outros locais, de acordo com instruções recebidas por apenas uma ou duas pessoas. Seznec estima que estes pagamentos andarão na ordem dos 5% a 7% das receitas do petróleo. Segundo ele, o restante é transferido para contas da Saudi Aramco. Al-Jadaan, o ministro das Finanças saudita, afirmou: “Todos os rendimentos vão apenas para o Tesouro. Tudo o resto sai do Orçamento.”
Seznec acredita que um dos itens que estão a causar a demora na oferta pública inicial (OPI) da Saudi Aramco poderá prender-se com estes pagamentos. Porém, sem aquela oferta pública inicial, toda a Vision 2030 está em risco. “Penso que é vital para todos os projectos de modernização da economia”, considerou Seznec. “A chave é certificarem-se de que a transparência é imposta a todos os níveis — especialmente na maior empresa do reino — para poderem exigir ao povo que faça sacrifícios.” Um ano depois, os investidores continuam à espera.
Do lado do reino, todavia, as intenções parecem sérias. Foi contratado o banqueiro de investimentos Ken Moelis, que iniciou a carreira na Drexel Burnham Lambert e cujos clientes incluem o magnata dos casinos Steve Wynn, a Bain Capital e o conglomerado chinês Dalian Wanda. O Financial Times citou um rival que chama a Meolis “Ken da Arábia”.
“Na verdade, penso que a possibilidade de ser accionista de activos petrolíferos sauditas é bastante apelativa para muita gente na indústria da energia”, disse Sarah Ladislaw, directora do programa de Energia e Segurança Nacional no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
As empresas chinesas, desejosas de aceder a uma fonte confiável de crude, irão provavelmente comprar quantidades significativas — a China é o principal parceiro comercial do reino. Ladislaw refere que, mesmo que a procura de petróleo diminua, os custos de produção são tão baixos na Arábia Saudita que os investidores poderiam ainda assim ganhar dinheiro.
Isto modifica o risco do preço do petróleo, que nos últimos nove anos desceu de um pico de 147 dólares por barril, em 2008, para um mínimo de 27 dólares por barril, em 2016.
No dia 14 de Abril, num discurso no Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia, o director executivo da Saudi Aramco, Amin Nasser, antecipou uma recuperação nos preços no médio prazo. Declarou que, desde 2014, um bilião de dólares em investimentos em petróleo e gás tinham sido adiados ou cancelados e que o volume de petróleo convencional descoberto nos últimos quatro anos era metade da quantidade encontrada nos quatro anos anteriores. A oferta para os próximos anos era “insuficiente”, afirmou.
“Não pode haver dúvidas de que a trajectória futura do mercado é a subida”, disse Nasser. Quando lhe perguntaram se a procura estava a atingir um pico, respondeu: “Acreditamos que o pico da procura não está próximo.”
O que está em causa pode correr bem à Arábia Saudita, enquanto o país pondera sobre quando irá lançar a sua OPI. Al-Jadaan afirmou que a OPI seria lançada no mercado saudita e num ou em mais mercados internacionais. Quando o inquiriram sobre as estimativas de que o Governo iria vender, inicialmente, cerca de 5% da empresa, Al-Jadaan respondeu: “Pode ser mais, pode ser menos ou pode ser mais.”
Indústria de minérios gigante
O que é que o reino vai fazer com as receitas da venda de acções da Saudi Aramco? Al-Jadaan adiantou que o dinheiro seria dirigido para novos investimentos, como a extracção de minérios, que o Governo acredita poder transformar numa indústria gigante.
“Temos uma indústria de minérios que está significativamente subaproveitada. Como tínhamos petróleo, não precisávamos de fazer muito em relação a isso”, afirmou. Também disse que o Governo podia agir como “investidor-âncora” para tranquilizar os investidores e fazer alguma investigação inicial nos projectos.
O dinheiro também poderá ser aplicado em novos objectivos quanto a energias renováveis. Na semana passada, o Governo anunciou o plano de construir até 2023 9500 megawatts de capacidade de energias renováveis, que hoje é praticamente zero. Trinta projectos em larga escala de energia solar e eólica serão desenvolvidos ao longo da próxima década, como parte de um programa mais alargado de 50 mil milhões de dólares (quase 46 mil milhões de euros) que visa diversificar o conjunto de produtos energéticos e libertar o reino do petróleo exportado que é usado na produção de energia.
O ministro da Energia afirmou numa conferência sobre o sector que 10% dos produtos de energia nacionais teriam origem em energias renováveis até 2023.
Não se sabe se os planos grandiosos de Mohammed bin Salman vão obter apoio popular. “Há obstáculos importantes para os seus objectivos gerais, no que toca a transformar a economia e afastá-la da dependência das exportações de petróleo”, afirmou Gregory Gause, professor da Universidade Texas A&M. O sector privado tem crescido nos últimos anos e criou-se um milhão de novos postos de trabalho entre 2004 e 2014, mas as empresas contratam principalmente trabalhadores estrangeiros e não locais.
O corte de subsídios e o aumento de impostos raramente são medidas populares.Al-Jadaan disse que metade da população do país está inscrita para receber prestações sociais cujo valor é suficiente para cobrir parte do aumento nos preços da electricidade e da gasolina, resultante do corte de subsídios. Além disso, o Governo precisa de ir buscar receitas a algum lado.
“Não podemos vender gasolina a um preço inferior ao preço da água”, observou Al-Qasabi, o ministro do Comércio saudita. “Penso que está na altura de corrigir isto.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Rita Monteiro