Tzvetan Todorov (1939-2017): dos estudos literários à filosofia moral
Foi um dos mais influentes intelectuais europeus contemporâneos. Morreu esta terça-feira em Paris, aos 77 anos, deixando um novo livro pronto a publicar.
O filósofo francês de origem búlgara Tzvetan Todorov, um dos mais influentes intelectuais europeus contemporâneos, morreu em Paris na madrugada desta terça-feira, aos 77 anos, de complicações resultantes de uma doença neurodegenerativa. Deixa inédito o seu mais recente livro – Le triomphe de l’artiste –, que ainda teve tempo de concluir e que deverá ser lançado em Março.
Nascido em Sofia em 1939, filho de um professor universitário e de uma bibliotecária, Todorov formou-se em Filologia ainda na capital búlgara, mas emigrou em 1963 para França, tendo obtido a nacionalidade francesa em 1973. Doutorado na Universidade de Paris com uma tese orientada por Roland Barthes, depois publicada com o título Literatura e Significação (1967), começou a trabalhar em 1968 no Centre National de la Recherche Scientifique, onde fundou e dirigiu nos anos 80 o Centro de Investigação das Artes e da Linguagem.
Tendo-se revelado nos meios culturais franceses ainda em meados da década de 60 como tradutor e intérprete dos formalistas russos, foi uma das principais figuras do estruturalismo no campo dos estudos literários, e as suas obras dos anos 60 e 70 renovaram áreas disciplinares como a Semiótica, mas também, por exemplo, a teoria dos géneros literários: os seus textos sobre a narrativa policial e, sobretudo, a literatura fantástica, são ainda hoje uma referência.
Recorrendo aos seus extensos conhecimentos nos domínios da linguística e da semiótica para sustentar uma descrição do sistema literário que propõe uma profunda identidade estrutural entre linguagem e criação literária, Todorov, a quem se deve também, com Gérard Genette, a criação da revista Poétique e a direcção de uma importante colecção de livros de teoria literária nas edições Seuil, foi toda a vida um académico, ensinando em diversas universidades francesas e americanas, mas nunca se deixou enclausurar no seu campo de investigação. A sua vasta bibliografia é hoje tão influente em domínios como a história das ideias, a teoria da cultura ou a antropologia como nos da teoria da literatura ou da semiótica.
Se obras como Teorias do Símbolo (1977) ou Os Géneros do Discurso (1978) marcaram os estudos literários nos anos 70, a sua obra começou a interessar-se na década seguinte por uma ampla gama de temas, da história do humanismo, com abordagens renovadoras de autores como Rousseau ou Benjamin Constant, a reflexões sobre a relação com o outro em diferentes contextos históricos, mais próximas da filosofia moral. Interessou-o em particular a oposição entre o Classicismo e o Romantismo, vendo este último como a concepção triunfante no mundo ocidental, do final do século XVIII ao presente.
Inimigo feroz de todos os totalitarismos, escreveu sobre os campos de concentração nazis e soviéticos. Mas também não alinhava na canonização acrítica da democracia, alertando para aquilo a que chamava “a tentação do bem”: Em Memória do Mal, Tentação do Bem: Uma Análise do Século XX (2000), escreve: “Podemos ver o totalitarismo, e a justo título, como o império do mal, mas isso não implica de todo que a democracia encarne, em todo o lado e para sempre, o reino do bem”.
Entre os seus livros mais recentes contam-se títulos como O Medo dos Bárbaros. Para Além do Choque das Civilizações (2008), onde defende que o Ocidente tem de conseguir ultrapassar o seu medo do Islão se não quer trair os seus próprios valores, ou Os Inimigos Íntimos da Democracia (2012), no qual sugere que esta tem hoje menos a temer das suas ameaças externas, incluindo o terrorismo, do que das suas derivas internas.