Da política e dos prostitutos
Um bom esforço para encontrar uma maneira adulta de pintar a política americana (ou outra qualquer) como um território onde as gradações do cinzento prevalecem sobre qualquer maniqueísmo a preto e branco.
Um olhar sobre o obscuro mundo dos lobbies institucionais de Washington, as empresas e as pessoas que são pagas a peso de ouro para promover ou combater propostas de lei e influenciar a sua aprovação. Jessica Chastain é a protagonista, na pela de uma “lobbysta” reputada pela competência e pela implacabilidade, mas que possui também uma reserva de consciência. E assim, apesar de o seu coração pender mais para a direita (o que é curioso, dada a tendência “liberal” dos filmes políticos americanos), recusa uma oferta milionária para atacar uma proposta de lei que afronta a venda livre de armas (instaurando um controlo sobre o cadastro e a saúde psiquiátrica dos compradores), despede-se da grande empresa onde trabalhava, e vai para uma empresa pequena defender a dita proposta de lei.
O que não quer dizer que os seus métodos, mesmo ao serviço de uma causa justa, sejam os mais impolutamente éticos; e também não quer dizer que os dos seus adversários o sejam. Embora John Madden, como bom tarefeiro (que viveu o seu momento de glória com Shakespeare in Love nos anos 90, um dos mais ridículos Óscares de melhor filme em toda a história), dirija com um funcionalismo meramente pragmático e algo “cego”, desprende-se de Miss Sloane uma certa descrença institucional, na forma como retrata os bastidores legislativos americanos como um campo de batalha sem regras assentes, um território de prostituição (ideológica) de luxo e em grande escala – não admirando, portanto, que a personagem que vem a revelar maior nobreza de carácter seja o do verdadeiro prostituto, o “male escort” a que Miss Sloane recorre periodicamente para satisfação das necessidades físicas que o seu empenho profissional não permite satisfazer de forma não-transacionada (aspecto em si mesmo singular: não nos lembramos de muitos filmes americanos que ponham a sua protagonista a ir para a cama com prostitutos e apresentem isso de forma perfeitamente casual.
Longe de ser notável, Miss Sloane vale por isto, pela inexistência de uma moralidade virtuosa que se sobreponha ao valor supremo da eficácia estratégica, e por, mesmo encontrando no final um par de vilões para castigar, não ter nenhum imaculado heroísmo a defender.
Acaba por ser um bom esforço para encontrar uma maneira adulta de pintar a política americana (ou provavelmente outra qualquer) como um território onde as gradações do cinzento prevalecem sobre qualquer maniqueísmo a preto e branco.