Memórias do arquitecto Alfredo Matos Ferreira no Instituto Marques da Silva

Assinatura de um contrato de doação do espólio, abertura de uma exposição-instalação e lançamento de um livro realizam-se esta terça-feira no Porto.

Fotogaleria
Edifício de habitação colectiva na actua Rua do Arquitecto José Marques da Silva, no Porto DR
Fotogaleria
Alfredo Matos Ferreira, fotografado em 1990 DR

A Fundação Instituto Marques da Silva (FIMS) vai passar a contar, a partir desta terça-feira (18h00), com mais um espólio, que vem acrescentar-se aqueles que tornam esta instituição portuense uma referência para a história e o estudo da arquitectura portuguesa. Trata-se do acervo do arquitecto Alfredo Matos Ferreira (1928-2015), que a família decidiu agora doar àquela fundação, colocando-o bem perto do legado de Fernando Távora (1923-2005), de que aquele foi sócio e colaborador durante cerca de uma década.

“Autor de obra importante, mas pouco conhecida, no quadro da produção arquitectónica portuguesa da segunda metade do século XX”, refere a FIMS, a doação diz respeito a “um acervo patrimonial-artístico de assinalável valor documental de uma época e de uma geração”, reunindo desenhos e projectos, maquetas e fotografias.

Em simultâneo com a assinatura do contrato de doação, a Casa-Atelier José Marques da Silva inaugura a exposição-instalação Terra d’Alva, comissariada por Manuel Mendes e que, patente até 13 de Fevereiro, antecipa a realização de uma iniciativa mais ambiciosa, a ocorrer em Abril na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), que incluirá uma grande exposição e um ciclo de conferências sobre a figura e a obra de Alfredo Matos Ferreira.

O programa para esta terça-feira na FIMS inclui ainda o lançamento de Memória, um livro que reúne desenhos, projectos, fichas de trabalho e considerações do arquitecto sobre a sua obra, e que tem prefácios de Álvaro Siza, Sergio Fernandez e Victor Oliveira. Um conjunto de contribuições para se conhecer melhor “uma personagem e uma mentalidade bem diferente” da Escola do Porto, que Manuel Mendes classificou como “um mestre com ‘sexto sentido’”, e que vê como um “cidadão-arquitecto” cuja arquitectura “evoluiu na atenção que prestou a toda a envolvente física e cultural” e sempre privilegiou um “sentido de serviço”.

De Lisboa ao Porto e a Trás-os-Montes

Alfredo Matos Ferreira nasceu em Lisboa, em 1928, numa família com fortes ligações a Trás-os-Montes, relação que viria depois a marcar a sua vida e também grande parte da sua obra. Formou-se em Arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto (1959).

Ainda caloiro, associou-se a colegas de curso no aluguer de uma sala – que viria a tornar-se a famosa “Sala 35” – no edifício Imperial, na Praça da Liberdade, em plena Baixa portuense. Entre eles estavam Álvaro Siza e António Menéres, ao lado de Alberto Neves, Joaquim Sampaio e Vasco Macieira Mendes. “Era um ambiente de troca de informação, de crítica aos trabalhos escolares, de entreajuda, primeiro marco, primeiro contacto com um mundo novo”, escreveu Alfredo Matos Ferreira nas suas memórias.

O arquitecto optaria depois por uma carreira autónoma relativamente aos seus colegas, projectando, logo a partir de 1950, com sucessivos acrescentos e adaptações, uma habitação para Barca d’Alva, a Quinta do Joanamigo, que Manuel Mendes realça ser “uma lição de modernidade” que resulta da vivência que o arquitecto tem da realidade de Trás-os-Montes, e que é inclusivamente anterior à “lição” do Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal (1961).

Numa carreira que conta quase uma centena de projectos, Alfredo Matos Ferreira colaborou, no início da década de 70, com o escritório de Arménio Losa (1908-1988), estabelecendo depois, entre 1972-81, sociedade profissional com Fernando Távora, deixando assim o seu nome também ligado a projectos como o da recuperação e ampliação do Convento de Santa Marinha da Costa e o plano geral de urbanização de Guimarães.

Numa lista preenchida sobretudo com projectos de habitação e edifícios públicos, como escolas e piscinas, entre o Porto, o Minho e principalmente Trás-os-Montes, Manuel Mendes realça a importância do edifício de habitação colectiva da Rua da Friagem, no Porto (1959) – hoje curiosa e oportunamente designada Rua do Arquitecto Marques da Silva –, e também os planos de urbanização feitos para Viana do Castelo (1983-87), além dos projectos feitos para o Instituto Politécnico do Porto (1990-92).

Alfredo Matos Ferreira integrou também a equipa do programa de habitação social SAAL [Serviço de Apoio Ambulatório Local], logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, para a Associação de Moradores da Lapa, no Porto (com Távora); desenhou o auditório da Fundação Eng.º António de Almeida, na mesma cidade; e o Solar do Vinho do Porto, na Régua. Em 1983, foi um dos participantes no concurso internacional para a Ópera da Bastilha, em Paris, abrindo nesta altura uma nova fase na sua carreira, novamente com escritório em nome próprio, e conciliando o trabalho com a docência da cadeira de Projecto na FAUP.

Em 1986, publica Aspectos da Organização do Espaço Português, que Manuel Mendes considera “um trabalho de referência no estudo da forma e estrutura urbana de cidades do território português”.

Sugerir correcção
Comentar