A nova vida dos hotéis com conta bancária a zeros
A Amazing Evolution nasceu no pico da crise no imobiliário e tornou-se especialista em “arrumar” a casa de empresas hoteleiras na falência. Portugal está no roteiro dos investidores internacionais
Margarida Almeida chega apressada ao escritório da Amazing Evolution, na Avenida da Liberdade. Está vestida de branco e fala com entusiasmo. “Não me vai fazer perguntas difíceis, pois não?”, dispara, sentada na mesa de reuniões, numa pequena sala de tons preto e branco. A decoração é sóbria mas marcante: nos poucos objectos que estão dispostos nas prateleiras há uma fotografia que parece ser dos trabalhadores.
A empresa que criou em finais de 2012 nasceu de uma oportunidade, uma espécie de “pegar ou largar” que mudou o rumo da sua vida profissional. Estava, na altura, no meio de um furacão chamado insolvência, a tentar negociar com credores “cara a cara” e manter em andamento projectos de construção de grande dimensão, como o do hotel Conrad, no Algarve, que esteve dois anos parado. A forma como liderou e tomou decisões chamou a atenção da banca, a braços com projectos hoteleiros falidos que chegavam a toda a hora, no pico da crise financeira. Foi a Margarida Almeida que recorreram para salvar empresas depois de ter conduzido o processo da Imocom, o grupo que trouxe a cadeia Hilton para Portugal e que acumulava, em 2011, prejuízos de 48 milhões de euros.
“Não planeei criar uma empresa. Foram as circunstâncias que se impuseram. A equipa que está comigo vem de uma grande insolvência. Tivemos de manter os projectos intactos para os clientes não perceberem as dificuldades financeiras e dar-lhes valor para que não fossem vendidos sob stress”, conta. Margarida Almeida trabalhava no departamento jurídico e tinha responsabilidades na área comercial, de licenciamento e na internacionalização. “Com a insolvência evidenciámos capacidades que não sabíamos que tínhamos. Foram três anos de relação intensa com os credores”, recorda.
O telefonema que recebeu em finais de 2012 de um investidor sedeado em Londres que precisava de uma empresa para acompanhar um projecto de construção levou-a à Empresa na Hora. E assim nasceu a Amazing Evolution (um dos nomes sugeridos pelo balcão único) que, hoje, tem mais de dez operações hoteleiras em gestão que, de um cenário de dificuldades, passaram a ter as contas limpas. Na lista estão três unidades que receberam primeiros prémios no World Travel Awards, uma espécie de “óscares” do turismo: Choupana Hills, no Funchal, Conrad Algarve e Monte Santo, no Carvoeiro.
“Os bancos começaram a ter problemas e era preciso gerir processos de insolvência, que eram atribuídos a administradores de insolvência que não sabiam gerir hotéis. Foi assim que começámos”, detalha a directora.
O caso mais recente é o do Tsar Lisboa Hotel, na Almirante Reis. Foi entregue à Amazing Evolution em Julho do ano passado com a conta bancária a zero. “O dono limpou tudo e fechou vendas”, conta. Com um contrato de gestão de dois anos, Margarida Almeida segue o método que utiliza em todos os seus projectos: nunca recorre à banca, nem faz investimentos avultados sem garantir vendas. “A facturação está a correr bem e a evolução é boa. Quando iniciámos, o novo proprietário perguntou-me quanto é que iriamos precisar e eu respondi: ‘Espero que nada’. Identificámos o que é necessário melhorar e não precisamos de dinheiro”, descreve. Posicionar o produto, identificar os clientes, investir nos recursos humanos são as prioridades. “Os princípios do modelo de gestão são iguais. Focamo-nos em dois aspectos. Primeiro, a rentabilidade do proprietário e a satisfação do cliente – um bom serviço e uma boa experiência fazem com que queiram voltar e recomendem o hotel a amigos. Depois, não vamos à banca. Há projectos que precisam de investimento, mas se não são sustentáveis têm de fechar portas”, diz.
A maioria dos hotéis que lhe chegam às mãos são normalmente detidos por empresas “que não tinham histórico de exploração hoteleira” e nasceram no boom imobiliário que a crise financeira de 2008 deitou por terra. Acabam-se velhos hábitos, como o de deixar que amigos pernoitem no hotel sem pagar. “Encontrei muito destas coisas. Um mês depois de estarmos a tomar conta de um hotel, o antigo dono foi à unidade almoçar e eu disse-lhe logo que ia ter de pagar… Havia uma grande confusão entre as contas da sociedade e a dos proprietários. Num empreendimento, o multibanco estava associado à conta do empresário e não da empresa”, conta, sem querer identificar o nome dos hotéis.
Mas as maiores falhas que encontra estão no atendimento ao cliente. “Há uma falta de pré-disposição para servir bem. Encontramos muitas deficiências no acolhimento, o que não acontece nas grandes cadeias. Trata-se de uma falta de cultura de hotelaria”, defende. A maior parte não tem estratégia de vendas, não conhece o cliente, não sabe que tipo de serviço procura. No portefólio da Amazing Evolution está, por exemplo, o Aldeia dos Capuchos Hotel, na Costa de Caparica. “São 229 unidades de alojamento e um campo de golfe. Iniciámos em Março de 2014 sem apoio de tesouraria nenhum, mas este ano temos vendas projectadas muito superiores e em 2015 atingimos o valor mais alto de sempre. É preciso perceber que a Costa de Caparica é para um determinado segmento de mercado”, detalha. No Funchal, com o Choupana Hills, o aumento das receitas foi de 80% em 2014.
Margarida Almeida não gosta de “engenharias financeiras”, prefere investir dinheiro que tem na conta, sem linhas de financiamento à disposição e o “mercado está a ajudar”. “Com tudo o que se tem passado fora de Portugal, há turistas que antes não olhavam para o nosso país como destino prioritário. Agora é a oportunidade de nos consolidarmos como destino mundial. É a nossa oportunidade enquanto gestores de captar clientes e fidelizar.”
Dias antes da entrevista, a directora da Amazing Evolution (com 20 trabalhadores) tinha sido contactada por um operador turístico que precisava de fazer “um contrato com um hotel rapidamente porque o mercado em Istambul morreu”. A empresa que se especializou em salvar hotéis está a alargar áreas de negócio.