Não há muita gente que o refira, mas alguma da nossa atualidade é fruto dessa incontornável história das “armas de disseminação maciça”. Sim, disseminação. Estou a falar de videoclipes, como só podia ser. Aliás, o título menciona, e alguns reconhecerão o autor da crónica (vá, uns 2 ou 3): o tal que desde há três anos vem escrevendo aqui sobre esse verdadeiro arsenal comunicativo destes tempos digitais.
Realmente, poucos falam dessa história, mas ela fundamenta a atual situação delicada da geopolítica musical. Quase todos os jornalistas, os analistas, e outros seguidistas, insistem que o “streaming” áudio é o futuro e que vai reverter a situação. Que se vai atacar o problema no terreno digital com “streaming”. E agora com a força da maçã é que vai ser. Enfim, é o “streaming” áudio que vai trazer a paz e o dinheiro de volta. Apesar de, quando se olha a questão com lupa, isto é, vendo números fundamentados em estudos de mercado e as tendências de comportamento, se verificar que afinal é o “streaming” de vídeo que cresce mais. Mas convenhamos, o “streaming” de áudio vai ajudar, sem dúvida, mas demorará mesmo muitos anos até convencer (se conseguir!) a maioria das pessoas para não destruírem o modo de vida do mundo musical.
Não tenhamos dúvidas, a comunicação online ganha-se com vídeo. O mais curioso é que já muita gente escolhe o vídeo para ouvir música, mas fundamentalmente é para a disseminar. E dominando-lhe a forma, pode ser um potente instrumento propagandístico para vincular mensagens ao mundo.
Por exemplo, muita gente já terá ouvido falar do povo curdo. Poderá é não saber que se trata da mais numerosa etnia do mundo (muitos mais do que os palestinianos) sem direito a um estado. Pois quase todos os do Médio Oriente foram criados e gizados pelas potências coloniais europeias no final da Primeira Guerra Mundial, para bem do nosso modo de vida ocidental. Os nossos interesses eram mais fáceis de controlar com poucos estados do que respeitar os vários grupos étnico-religiosos que lá habitavam. Mesmo que o resultado seja agora um vespeiro de proporções bíblicas. O povinho europeu sempre foi rezando: eles que se matem por lá aos milhares, desde que não apareçam por cá em enxames.
Contudo, duvido que alguém conheça os fenómenos pop do Curdistão. Seja a “étnico-ocidentalizada” Chopy ou a “shakeira” Dashni. Entre outras e outros com discos editados e vídeos prá TV. Mas em 2014, depois da ofensiva do ISIS em agosto, foi lançada uma granada pop sintonizada com este tempo digital, de nome Helly Luv. Esqueçam os discos; música agora é videoclipe. O primeiro apenas acendia o rastilho, o segundo (ver à esquerda deste texto), já em meados de 2015, apresenta e escreve “Revolution” com “Love” dentro. Resultado: já passam dos quatro milhões de visualizações. Nas redes, seguem-na mais de dois milhões. Mais as variadas entrevistas e notícias pela TV e imprensa mundial.
O estilo anda ali entre uma Beyoncé e uma M.I.A., incitando o povo com saltos altos dourados. Encenam-se cenas de guerra contra o ISIS, perto da frente de batalha (ver depois do genérico final), usando as próprias forças “peshmergas” - militares curdos, que sempre incluíram mulheres nas suas fileiras; foram guerrilha enquanto houve Iraque, e depois deste ter começado a deixar de existir, ganharam legitimidade, bandeira e um governo regional. Logo, o sonho da autodeterminação, e um pesadelo para o grande vizinho da região.
O problema é que o sonho curdo não acontecerá por direito legítimo de um povo (quimeras dos direitos humanos), a menos que ganhe visibilidade e a simpatia do mundo ocidental, sentindo que há uma causa comum. Como ser a força “aliada” no terreno. E por onde é que esse mundo ocidental já se informa maioritariamente? Pelas redes sociais. Voilá! O mesmo sítio onde as tais armas são disseminadas maciçamente. E assim, grandes empresas, com fortes interesses económicos na região, patrocinam agora os novos fenómenos pop curdos, ou melhor, os seus videoclipes. Nunca esquecer os interesses.
Texto escrito segundo o novo Acordo Ortográfico, a pedido do autor.