A cevada permitiu que os humanos se estabelecessem no tecto do mundo

A ocupação permanente do Nordeste do planalto tibetano, a mais de 3000 metros de altitude, iniciou-se há 3600 anos, depois de a cevada ter chegado àquela região, vinda do Médio Oriente, mostra um estudo na revista Science.

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Escavações num dos sítios arqueológicos no planalto do Tibete Xiaoyan Ren
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Escavações num dos sítios arqueológicos no planalto do Tibete Dongju Zhang
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Sementes de cevada carbonizadas Xin Jia

A região era visitada, mas não era habitada continuamente. Foi preciso a chegada de novos cereais vindos do Médio Oriente para as populações daquela zona da Ásia colonizarem regiões mais altas, há 3600 anos. Principalmente a cevada, um cereal mais resistente ao frio, permitiu a agricultura entre os 2500 metros e os 3400 metros, e possibilitou uma nova vida no planalto do Tibete, revela um artigo publicado nesta sexta-feira na revista científica Science.

“Quando e como é que os humanos começaram a viver e a cultivar a estas altitudes extraordinárias era uma questão em aberto até agora”, diz Martin Jones, do Departamento de Arqueologia da Universidade de Cambridge (Reino Unido), citado num comunicado de imprensa desta instituição. O investigador é um dos autores deste estudo que conta com cientistas da Universidade de Lanzhou e de outras instituições da China. Entre 2008 e 2013, a equipa escavou em 150 sítios arqueológicos no planalto associados ao Neolítico e à Idade do Bronze. Destes, escolheram 53 locais para obter um registo da expansão da agricultura e da colonização humana na região.

O planalto do Tibete ocupa 2,5 milhões de quilómetros quadrados no centro da Ásia, uma área equivalente a um quarto da Europa. A maior parte do planalto tem uma altitude de mais de 4000 metros, e no Sul os picos da enorme cordilheira dos Himalaias, que se estende ao longo de 2500 quilómetros, ultrapassam mesmo os 8000 metros.

A maioria dos locais estudados pelos cientistas fica no Nordeste do planalto. A partir do sexto milénio antes de Cristo, esta era a principal região do planalto colonizada. “Estes povoamentos são de agricultores associados principalmente às regiões do rio Amarelo e dos seus afluentes”, explicam os autores no artigo.

Nos 53 locais escolhidos, a equipa identificou grãos carbonizados de quatro cereais: painço, sorgo, cevada e trigo. Em dez dos 53 locais, os cientistas descobriram também ossos e dentes de ovelhas, vacas e porcos. Juntando a geografia dos locais com a idade dos vestígios vegetais obtida por espectrometria de massa, a equipa descobriu que houve dois períodos diferentes na história do povoamento daquela região.

No primeiro período, que se iniciou há 5200 anos (3200 a.C.) e se prolongou até há 3600 anos (1600 a.C.), há vestígios da ocupação permanente com presença de actividade agrícola em 25 dos 53 sítios arqueológicos, em que o local a maior altitude fica a 2527 metros. No segundo período, que se iniciou há 3600 anos e veio até há 2300 anos (300 a.C.), há vestígios de colonização e agricultura noutros 29 sítios arqueológicos, 17 dos quais localizados entre os 2500 e 3400 metros de altitude. Esta descoberta revela que houve uma mudança e as populações humanas passaram a viver e a cultivar em zonas de maior altitude. Esta mudança está ligada aos cereais cultivados nos dois períodos.

O painço e o sorgo eram as principais culturas até há 3600 anos no Norte da China. No entanto, a cevada e o trigo começaram a ser cultivadas na região há 4000 anos e já aparecem nos vestígios arqueológicos de algumas das povoações do primeiro período mencionado antes. Estes dois cereais vieram do Médio Oriente, onde já eram cultivados há cerca de 10.000 anos.  

Os vestígios dos novos cereais começam a surgir mais frequentemente nos sítios arqueológicos associados ao segundo período referido. E a cevada era o cereal dominante nos povoamentos acima dos 2500 metros.

“Os principais cereais do Crescente Fértil, a cevada e o trigo, juntaram-se ao sorgo e ao painço que eram cultivados no Norte da China e em alguns locais substituíram-nos”, explicam os autores no artigo, acrescentando que sempre houve muito interesse em conhecer a cronologia desta mudança na agricultura da região e as suas consequências: “A importação dos cereais ocidentais [do Crescente Fértil] permitiu às comunidades humanas adaptarem-se a condições mais difíceis nas grandes altitudes do planalto do Tibete.”

Além de resistente ao frio, a cevada tem um período de crescimento e de colheita de “seis meses”, refere o artigo. Nos sítios arqueológicos acima dos 3000 metros, os cientistas também encontraram vestígios da presença de carneiros. A equipa defende que o cultivo da cevada e a pastorícia exigiam um povoamento humano constante, e não estadias temporárias que estão associadas à caça. “Outras provas como [o vestígio de] casas e a construção de túmulos apoiam a ideia de uma presença humana continuada, provavelmente durante todo o ano”, defendem os autores.

Esta conquista do planalto do Tibete aconteceu ao mesmo tempo de uma descida da temperatura média no Hemisfério Norte. “Era muito difícil sobreviver durante todo o ano nestas altitudes”, defende Martin Jones. “O que coloca questões interessantes aos investigadores sobre a adaptação dos humanos, do gado e das culturas agrícolas a altitudes tão vertiginosas.”

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