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David Haines chegou a Atmeh quando muitos fugiam da Síria

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David Haines partiu em Março de 2013 para a Síria, onde trabalhou no campo de refugiados de Atmeh Aamir Qureshi/AFP

Um terço da população síria (22 milhões) é refugiada dentro ou fora do país de Bashar al-Assad. É impossível saber ao certo quantos fugiram da Síria ao longo de 2013 mas, à conversa com sírios muito diferentes que o fizeram, as explicações para terem suportado 2011 e 2012 variam pouco. “Em 2013 foi o fim de tudo”, “A vida tornou-se impossível”, “Foi quando tudo deixou de fazer sentido”…

Quando muitos fugiram, David Haines chegava. O escocês, agora decapitado, foi raptado poucos dias depois de ter entrado na Síria, em Março de 2013, numa altura em que seriam muito poucos os funcionários estrangeiros de organizações não-governamentais no país. Principalmente no Norte, na região fronteiriça com a Turquia, onde os rebeldes que inicialmente combatiam a ditadura já não sabiam então se combater entre si, se aceitar a ajuda dos voluntários estrangeiros que chegavam em cada vez maior número ou, se, pelo contrário, recusar alianças com radicais que o tempo veio a provar insustentáveis.

Haines, ex-militar e especialista em logística, que desde 1999 trabalhava com ONG (os primeiros anos foram passados nos Balcãs) foi para a Síria ao serviço da agência francesa Acted com a missão de fazer chegar água potável, alimentos e tendas aos sírios. O destino era o campo de refugiados de Atmeh, a primeira localidade síria depois da fronteira a que os sírios chamam Bab al-Hawa e os turcos Cilvegozu. Do lado turco está a província de Antakya, do Sírio Idlib, no Noroeste do país.

Antes de 2011 e da revolução que Assad decidiu esmagar, esta era a mais movimentada das fronteiras terrestres entre os dois países – calhou ficar mais ou menos a meia distância entre a cidade turca de Iskenderun e a capital comercial e industrial da Síria, Alepo. Com a guerra e os voluntários estrangeiros, o movimento mudou. Em Setembro do ano passado, contrabandistas (turcos e sírios) e residentes de Reyhanli (a primeira cidade do lado turco) diziam ao PÚBLICO que foi por aqui que passaram (e continuavam a passar) grande parte dos fundamentalistas que decidiram ir combater na Síria, incluindo muitos dos que entretanto se foram unindo ao que hoje chamamos Estado Islâmico.

O campo de refugiados de Atmeh fica no cimo de um monte com muitas oliveiras e os sírios que viviam no exílio e que decidiram erguê-lo (dar abrigo às pessoas que por ali iam ficando na fuga) chamaram-lhe Campo das Azeitonas. Ao longo de 2013, teve uma média de quase 30 mil residentes. Nos primeiros meses do ano, homens como Haines e ONG como a Acted ainda por lá andavam. Mas à medida que o ano ia avançando e Atmeh se tornava numa espécie de base recuada de jihadistas à espera de ordens para avançar, cada vez menos estrangeiros ousavam ou conseguiam lá chegar.

Em Julho, um grupo de jornalistas e activistas (sírios e ocidentais) organizou uma série de actividades para os miúdos do campo e, actualmente, ainda há sírios no exílio que regressam com regularidade para dar cursos ou distribuir ajuda. Mas desde Setembro de 2013 que a polícia fronteiriça turca não deixa passar nenhum ocidental – nem para o campo conhecido como de Atmeh nem para a terra com o mesmo nome; há postos fronteiriços e vedações antes e depois, precisamente porque o campo se situa em cima da linha que separa os dois países, a descair para a Síria. Os turcos explicam a quem quer visitar o campo que não se poderiam responsabilizar pela sua segurança face à presença dos radicais.

Em Outubro, Dana, uma síria-alemã de 19 anos que tinha ido trabalhar com miúdos no campo de Atmeh aguardava em Reyhanli (a cidade, onde os refugiados representam um terço de população, é base de muitas ONG sírias, nunca falta lá trabalho). “Com tantos islamistas, aconselharam-me a não ir. Por agora, fico por aqui.

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