O reencontro emocionado com o último filme dos 70s

Antes de uma continência e de desaparecer, como num final a preto e branco, disse: “Era um filme que estava perdido, agora esse filme foi encontrado”. Peter Bogdanovich veio ver em Veneza o documentário sobre o seu They All Laughed .

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Peter Bogdanovich em One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film
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Peter Bogdanovich (à direita), Dorothy Stratten e John Ritter, actores de They All Laughed
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One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film
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One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film
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One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film
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Louise Stratten, irmã de Dorothy, que durante 15 anos foi mulher de Peter
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O realizador Bill Teck

Bruce Springsteen vos dirá que compôs a sua trilogia Born to Run (1975), Darkness on the Edge of Town (1978) e The River (1980) inspirado nos textos de Bogdanovich sobre a Trilogia da Cavalaria de John Ford: Forte Apache (1948), Os Dominadores (1949), Rio Grande (1950).

O homem estava nos talk-shows americanos nos anos 70, a ser entrevistado e a entrevistar. Fazia parte da beautiful people, juntamente com a musa, uma ex-Miss Teenage Memphis, Cybill Shepherd – casal demasiado bonito e, assim era sentido, arrogante (não podes mostrar-te tanto, soprou-lhe Cary Grant).

Mas era o mesmo homem que dava a mão as glórias da Hollywood do passado, de quem era o paladino, uma reverência que se mostrava nos textos e nos filmes, em contraste com a rebeldia dos outros da Nova Hollywood, Coppola, Scorsese ou Friedkin. Bogdanovich era um doce.

The Last Picture Show/A Última Sessão (1971) foi comparado a O Mundo a Seus Pés (1941), de Welles, os sucessos seguintes puseram-no no topo. Mas o homem de 75 anos que este domingo entrou numa pequena sala do Festival de Veneza, titubeante, olhar melancólico, é um sobrevivente de uma catástrofe que, talvez tendo sido secretamente aplaudida por alguns, o atirou para o chão e o pôs a esgravatar, como se quisesse enterrar-se para escapar ao bombardeamento.

Peter apareceu para falar sobre um documentário que lhe era dedicado (“sensação estranha”, confessou). One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film, de Bill Teck (secção Venice Classics), é o título. É sobre ele e sobre essa catástrofe. É sobre um filme que Bogdanovich realizou, They All Laughed/Romance em Nova Iorque (1981), que é o seu favorito, e que lhe foi roubado, como um castigo. “É um filme sobre o passado mas a apontar para o futuro, e continua ser um filme do futuro porque ainda não foi apanhado pelo cinema do presente.” Era Bill Teck a falar. Foi a ele que Bogdanovich deu acesso (Porquê a ele? “Não sei, tinha um palpite”) ao arquivo e a uma memória dolorosa.

O sexo e a cidade

É a historia de Peter e de Dorothy Stratten, uma playmate nascida em Vancouver por quem se apaixonou e sob cujo sortilégio filmou o amor à solta na Manhattan dos 70s que desaparecia, atravessando-se na vida de Ben Gazarra, Audrey Hepburn, John Ritter, Stratten, Patti Hansen e outros. Que parecem nunca dormir, perseguidores e perseguidos acesos pelo desejo e aos trambolhões (talvez desejando parar e adormecer).

Foi como um home movie de Bogdanovich rodado a céu aberto, expondo as conversas que tinha com os amigos (que eram os seus actores, e que no filme se vestem ou usam óculos como ele) sobre a fuga dos sentimentos e as mulheres (que eram as suas actrizes). Um “sexo e a cidade”, ironizou Peter, inspirado por Dorothy. Que, depois da rodagem terminada, foi assassinada pelo ex-marido, ciumento, desapossado do mundo para onde Stratten então entrava.

Um doce valentine a Nova Iorque e a uma forma íntima de fazer cinema (por isso para alguns They All Laughed, mais do que As Portas do Céu, de Cimino, é o adeus aos 70s), aproximava-se demasiado da morte. Tarantino lembra-se de ter visto o filme quando se estreou, trabalhava ele nos míticos (para a iconografia tarantóide) Video Archives. “As pessoas viam o nome dela no genérico e lembravam-se da tragédia, mas depois viam o filme e esqueciam, e no final, quando aparece a dedicatória a Dorothy, de novo a tragédia”, sentimento que permanecia.

O estúdio não soubera o que fazer para distribuir o filme, Peter, devastado pelo desgosto e querendo manter-se próximo de Dorothy, cometeu a “asneira” de comprar They All Laughed ao estúdio e de o distribuir. O filme abriria o Festival de Veneza em 1982. Críticas elogiosas, salas cheias nos EUA, mas Reds, de Warren Beatty, chegava e os independentes eram empurrados para o lado. O dinheiro desapareceu, o filme também. E Bogdanovich ficou preso à melancolia e a sua carreira dependente de encomendas, que ele, tal como os cineastas do passado que amara, enchia de implicações pessoais que poucos viam – como Máscara (1985), de que lhe retiraram o direito à montagem final, que ele fez porque a história de um menino-elefante era a história de Dorothy, “ou como a beleza e a fealdade coloca os seres à parte, do lado da morte”.

Em 2002, Tarantino publica a lista dos seus dez filmes de sempre, encabeçada por O Bom, o Mau e o Vilão, de Sergio Leone, e com They All Laughed no sexto lugar. Foi determinante. A cinefilia nos blogues começa a pôr-se em trabalhos – a sequência de abertura, o jogo de olhares, não os diálogos, a sustentar uma forma olímpica de classicismo, foram escalpelizados. Em 2005, uma edição em DVD traz Wes Anderson a entrevistar Bogdanovich. Wes é o produtor, com Noah Baumbach, do novo filme do realizador, She’s Funny that Way, comédia burlesca que podia apenas existir para provar que Bogdanovich está vivo.

Em Peter Bogdanovich & The Lost American Film juntam-se afectuosamente à volta de They All Laughed Tarantino, Molly Haskell, Andrew Sarris, Todd MacCarthy, Cybill Shepherd, Louise Stratten, irmã de Dorothy, que durante 15 anos foi mulher de Peter. Antes de um adeus como num final a preto e branco, o homem disse: “Era um filme que estava um pouco perdido, agora esse filme foi encontrado.”

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