11 de Setembro: os medos do "julgamento do século"

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As famílias das 2973 vítimas estão divididas sobre os julgamentos Gary Hershorn/Reuters

O confesso arquitecto do plano dos atentados de 2001, "responsável pelo 11 de Setembro de A a Z", será julgado num tribunal civil federal em Nova Iorque.

Os republicanos estão contra. As famílias das 2973 vítimas estão divididas. Os julgamentos, de Khalid Sheikh Mohammed (K.S.M.) e de outros quatro suspeitos, vão colocar Nova Iorque sob risco de um novo ataque, dizem. Vão dar um palco de dimensões inéditas à propaganda jihadista. Pôr em risco todos os norte-americanos, porque, ao julgar K.S.M. como um criminoso comum, a América estará a dizer que já não está em guerra contra o terrorismo.

"Agora que a memória se vai apagando, dá-se ao 11 de Setembro uma segunda vida - e a K.S.M. um segundo acto: "11 de Setembro, The Director"s Cut", narração por K.S.M.", escreveu no "Washington Post" o colunista conservador Charles Krauthammer.

Também há quem ponha a hipótese de K.S.M. ser libertado. Para Neil Cavuto, jornalista/comentador da Fox, é possível que ele acabe a passear-se pela Baixa de Manhattan "enquanto come pretzels"... A imagem exige imaginação: a Administração Obama nunca libertará K.S.M. e tem como o evitar, atribuindo-lhe o estatuto de preso de guerra. Mas o ex-mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani lá vai dizendo: "Se é um caso de 50-50, é provável que ele seja ilibado."

É difícil acreditar que o procurador-geral (equivalente a ministro da Justiça) tenha decidido mandar K.S.M. para um tribunal a poucos quarteirões da cratera das Torres Gémeas, se o caso contra ele for de 50-50. E se, em teoria, este pode ser o julgamento de todos os riscos, também há motivos para antecipar um processo simples. Há ainda quem sugira que Nova Iorque é a última cidade do mundo onde K.S.M. pode aspirar a um júri imparcial. Como também há quem recorde que as últimas condenações à morte em tribunais federais de Manhattan aconteceram nos anos 1950.

Um palco para a jihad

Os que defendem a decisão de Holder lembram que nos seis anos e meio que a Administração Bush teve K.S.M. preso não conseguiu sequer começar a julgá-lo. Conseguiu, sim, sujeitá-lo 183 vezes a waterbording (simulação de afogamento) e até dar-lhe um palco. Foi numa audiência de Guantánamo que K.S.M. enumerou, orgulhoso, os seus feitos: o 11 de Setembro e outros 31 planos - para matar um Papa, três presidentes... - e crimes, como a decapitação do jornalista Daniel Pearl.

Se o julgamento dará "uma plataforma de propaganda a alguém, será ao nosso lado", escreveu no "New York Times" Steven Simon, analista do Council on Foreign Relations. E defendeu: "[Finalmente] veremos todo o horror do 11 de Setembro retratado como só é possível nos julgamentos metódicos." "Um julgamento aberto será também um catalisador para reflectirmos sobre o 11 de Setembro e as suas repercussões", escreve.

"Não tenho medo do que KSM tenha para dizer e ninguém deveria ter", afirmou Holder. Os que se dizem ofendidos pelos privilégios legais dados a Mohammed com a escolha de um julgamento civil em vez de um tribunal militar não considerarão "nada ofensivo quando ele for condenado e lhe for aplicada a pena de morte", disse o Presidente Barack Obama.

Durante todo o tempo que K.S.M. e tantos outros estiveram em prisões secretas ou em Guantánamo, onde as polémicas comissões militares da Administração Bush só conseguiram condenar três homens - dois dos quais já estão em liberdade - advogados e activistas não pararam de enumerar os bem sucedidos julgamentos civis de suspeitos terroristas.

Os prós dos tribunais civis

"Os tribunais federais têm um longo currículo de casos terroristas complexos. Num estudo de 119 casos com 289 acusados, concluímos que 195 foram condenados por veredicto ou declarações de culpa", recorda-nos Sahr Muhammed Ally, advogada do grupo Human Rights First.

David Glazier, professor de Direito na Loyola School of Law, não vê grande base racional nas críticas à decisão de Holder: "Penso que resultam do clima de medo existente durante a Administração Bush. Objectivamente, estes detidos não são mais perigosos do que outros já julgados nos EUA. E a Al-Qaeda não tem interesse em lançar ataques para libertar ninguém."

Para Glazier, um tribunal federal até oferece menos espaço de manobra a K.S.M. para apelar à jihad. "Os juízes federais têm muito mais experiência em lidar com acusados politicamente motivados do que os militares. Como a justiça dos tribunais civis não está em causa, como estava a das comissões, os juízes vão sentir-se mais capazes de impedir declarações políticas", explicou ao PÚBLICO.

Este especialista em lei militar nem sequer acredita que a defesa vá conseguir transformar o processo num julgamento às práticas ilegais de interrogatório. "As regras de prova requerem que tudo o que é introduzido tenha relevância directa para o que o tribunal está a apreciar, os juízes vão defender que nada do que a Administração tenha feito é relevante para saber o papel destes homens na conspiração."

Claro que a defesa vai esforçar-se. Foi em Nova Iorque que morreram mais pessoas e esta é a cidade com mais experiência em casos de terrorismo. Mas a defesa pode pedir uma mudança de local, "se considerar que ali não pode ser reunido um júri justo", diz Glazier. Eric Freedman, professor de Direito Constitucional, não vê motivos para isso, já que a cidade "tem o mais diverso conjunto de jurados no país".

Mas Freedman, advogado que assistiu vários presos de Guantánamo, espera que a defesa "pressione com vigor" para que a tortura contra K.S.M. tenha o seu peso nas decisões do tribunal. Apesar de ser teoricamente "possível" que isso permita uma absolvição, "é pouco provável que o argumento prevaleça".

Provas e legado

Sabe-se que depois das torturas da CIA foram criadas "equipas limpas" do FBI que obtiveram confissões legais. A Newsweek escreve que, no caso de K.S.M., o Departamento da Justiça nem sequer usará estas confissões, receando que os agentes tenham sido influenciados pelas informações obtidas pela CIA. Para condenar K.S.M., para além da sua confissão antes de ser capturado, feita à Al-Jazira, existem outras provas, incluindo registos telefónicos e ficheiros de computador.

Holder admite que a sua decisão foi difícil. Quarta-feira, enfrentou republicanos e familiares das vítimas no Congresso. Garantiu que os EUA continuam em guerra "contra um inimigo vicioso que visa os soldados no campo de batalha, no Afeganistão, e os civis nas ruas" do próprio país. Mas disse que Washington vai usar "todos os instrumentos - civis, militares, diplomáticos - para vencer". E prometeu que julgar K.S.M. em Manhattan será "o primeiro passo para resolver" o legado judicial dos ataques.

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