Doente com variante da Creutzfeldt-Jakob em Portugal é dos mais jovens no mundo
O diagnóstico desta doença degenerativa do cérebro - que se pensa surgir devido ao consumo de bovinos infectados com a encefalopatia espongiforme bovina, ou BSE, conhecida também como doença das vacas loucas - foi confirmado com uma biopsia às amígdalas do rapaz, cujo resultado foi conhecido pelas autoridades de saúde portuguesas a 6 de Junho.
Foi a biopsia que permitiu a classificação do caso como provável, e não apenas suspeito, já que só uma autópsia às vítimas pode confirmar em definitivo a variante da doença. O caso foi divulgado a 9 de Junho pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).
O facto de esta doença incurável ter sido detectada num rapaz no início da adolescência torna o acompanhamento pela comunidade médica um desafio ainda maior.
"Por ser um caso tão jovem, não temos a certezas clínicas de como a doença poderá evoluir", explicou o subdirector-geral da Saúde, Francisco George. "Só há um caso descrito com a mesma idade no Reino Unido. Na generalidade e até há pouco tempo, a idade mínima descrita para o início da doença eram os 15 anos."
O responsável garante, no entanto, que o rapaz que continua a viver em casa com a família terá todo o acompanhamento necessário, quer de especialistas portugueses, quer de estrangeiros.
"O doente continua estacionário, com prognóstico reservado e por estabelecer com precisão", afirmou. "Temos excelentes especialistas em neurologia para acompanhar este caso. Mas o Ministério da Saúde já se disponibilizou para suportar todos os encargos referentes a tratamentos especializados, seja em Portugal, seja no estrangeiro, incluindo o convite a especialistas de outros países para cá virem conferenciar com os colegas nacionais."
Segundo a imprensa, o rapaz reside no Norte e os sintomas terão começado há cerca de um ano. A DGS invoca motivos éticos e o pedido expresso da família para não confirmar estas informações, mas diz que o diagnóstico destes casos demora no mínimo seis meses.
O responsável admite apenas que o rapaz deverá ter sido infectado com a doença há mais de sete anos, através do consumo de partes de bovino contaminado. "Em função do período de incubação e da evolução da doença neste jovem, tudo leva a crer que tenha sido infectado antes de 1998, altura em que o programa de controlo da BSE não era feito no país."
Portugal foi o segundo país, a seguir ao Reino Unido, com mais casos da doença das vacas loucas, cujo controlo no gado pelas autoridades portuguesas apenas começou a ser feito em 1998, muito depois dos sucessivos alertas para este problema. A situação complica-se porque se calcula que um número significativo de animais portugueses seja abatido fora dos matadouros, em explorações familiares. A DGS afasta, contudo, indícios de outros casos suspeitos da variante da doença de Creutzfeldt-Jakob.
"Mais dia, menos dia tinha de haver um caso"Os primeiros sinais de alerta para esta doença estão geralmente associados a problemas psiquiátricos e movimentos descoordenados do corpo, de acordo com os critérios de classificação da variante da Creutzfeldt-Jakob no Reino Unido. Depressão, ansiedade, apatia, demência, alterações da marcha, movimentos musculares descoordenados ou dores persistentes são alguns desses sintomas.
A partir daí, o diagnóstico é complexo. É preciso que haja uma doença neuropsiquiátrica progressiva com mais de seis meses e que sejam afastados outros problemas com os mesmos sintomas. Além disto, a classificação do caso como provável obriga à realização de exames complementares, como uma ressonância magnética que afaste a hipótese de o doente sofrer da forma clássica da Creutzfeldt-Jakob, que surge em pessoas de idade avançada.
Outra alternativa é uma biopsia às amígdalas, o exame usado para o diagnóstico deste doente português. Segundo Francisco George, esta biopsia foi realizada em Edimburgo, Escócia, "no laboratório de referência para estes exames a nível mundial".
A probabilidade do diagnóstico deste primeiro caso passar a definitivo ronda os 90 por cento, segundo o neuropatologista Cortez Pimentel, que liderou, até ao final de 2002, a primeira rede de vigilância epidemiológica desta doença.
Ainda que o diagnóstico definitivo só seja possível após a morte, a biopsia às amígdalas do doente permitiu perceber que este caso se enquadra dentro dos critérios definidos para a doença desde 2000 (os critérios de Edimburgo), que vão sendo actualizados, explicou Cortez Pimentel.
Mostrando-se pouco surpreendido com a notícia - "mais dia, menos dia tinha que haver um caso" -, o neuropatologista, do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, admite que tenham ocorrido, entretanto, em Portugal outros casos que não foram diagnosticados. Mas desdramatiza: "O que para trás foi feito, está feito."