Sampaio: "Há mais vida para além do Orçamento"

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O Presidente fez um discurso forte e interventivo PÚBLICO

Jorge Sampaio retomou, tal como era esperado, o tema do papel do Estado português e deixou pistas ao Governo sobre quais devem ser, na opinião do chefe de Estado, as principais áreas de acção do Executivo.

O discurso do Presidente, particularmente interventivo no plano nacional, deixou vários recados ao Governo de coligação PSD/CDS-PP. O Presidente da República criticou o entendimento do Executivo de que "o saldo orçamental" deve ser o objectivo central da política económica.

"O saldo orçamental é um instrumento e uma responsabilidade fundamental, mas não é o objectivo final da política económica", disse o chefe de Estado, defendendo que "a necessidade de controlar as finanças públicas - condição da nossa credibilidade externa - é uma obrigação que requer medidas estruturais e não se faz apenas com medidas excepcionais irrepetíveis, nem com uma redução aparente do défice público".

"Esta exigência de consolidação orçamental duradoura não pode fazer esquecer a preocupação com a grave estagnação da actividade económica e o aumento do desemprego", frisou ainda o Presidente da República.

A estratégia nacional de privatizações preocupa o Presidente, que teme um eventual enfraquecimento do papel regulador do Estado na economia de mercado. "Tenho defendido ser crucial que a transferência de algumas funções do Estado para privados seja conduzida segundo princípios definidos com transparência e de acordo com procedimentos tecnicamente fundamentados e testados com o rigor e a seriedade requeridos pela defesa do interesse público", acentuou o Presidente da República.

Sampaio deixou, pois, novo aviso ao Governo: "Se assim não acontecer, é grande o risco de essa transferência vir a gerar custos sociais e económicos altamente gravosos, sobretudo para as populações mais frágeis, ainda que, no curto prazo, ela permita alcançar ganhos financeiros e políticos apetecíveis". O "Estado não deve ter vergonha em manter empresas com capital maioritariamente público".

O Presidente não esqueceu o périplo dedicado à inovação que esta semana efectuou pelo país, sugerindo ao Executivo que são necessárias políticas de continuidade, designadamente na área da inovação tecnológica.

"Não se compreende que os esforços feitos por sucessivos governos na definição do quadro institucional enquadrador deste tipo de intervenção possam ser postos em causa sempre que ocorre uma mudança política", lamentou o chefe de Estado.

No que respeita à polémica ocorrida na Assembleia da República em torno do processo de reforma do sistema político, Jorge Sampaio desvalorizou as divergências e procurou incentivar os deputados para que "prossigam os seus esforços".

"O caminho já percorrido permite-nos esperar novos e mais consensualizados desenvolvimentos neste domínio tão decisivo para a credibilidade da democracia portuguesa", apontou.

União Europeia é a prioridade de Portugal

Mas a esfera internacional não foi esquecida e o Presidente voltou a criticar a forma como se processou a intervenção militar anglo-americana no Iraque e procurou depois definir o quadro de prioridades da política externa portuguesa.

"Na hierarquia dos interesses portugueses é a União Europeia que assume a posição primeira, decisiva e sem paralelo no plano da nossa estratégia. Quero reafirmar aqui essa prioridade, sobretudo num momento em que se assiste a uma das recorrentes crispações internas europeias, de antigos ou novos cepticismo", sublinhou Sampaio.

Para o chefe de Estado, a NATO "continua a desempenhar um papel central no quadro da defesa e segurança da Europa". No entanto, "a Aliança Atlântica não é uma caixa de ferramentas que possamos utilizar em qualquer circunstância sob pena de podermos minar a sua solidez", advertiu o Presidente da República.

Usando palavras duras, Sampaio sustentou que "o conflito do Iraque rasgou já parte do mapa de entendimentos, construções jurídicas internacionais e até de alianças estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial, pondo a nu a debilidade de organizações e dos seus códigos normativos".

Neste contexto, o Presidente da República apelou para que, "findo o conflito, derrubada uma odiosa ditadura, se procure repor e reforçar o papel das Nações Unidas, na consciência de que nunca como hoje foi tão necessária uma regulação das relações internacionais, assente no respeito do direito, que recuse posições hegemónicas e decisões unilaterais".