Quando este - penúltimo - filme de Abel Ferrara foi exibido no Festival de Veneza, em 1998, parecia confirmar uma zona profundamente sombria na carreira do realizador: impotência criativa, "dead end", um "Blackout", apagamento, como o título de outro filme dessa (se quisermos) "fase". Christopher Walken, Willem Dafoe e Asia Argento (a filha de Dario) juntos, a adaptação de uma obra do guru do "cyberpunk", William Gibson, enfim, o projecto não podia ser mais apelativo. O resultado provocará, talvez, uma espécie de silêncio incómodo. Esta é uma experiência lúgubre, como se fosse filmada num estado próximo do sonambulismo (assim é difícil impedir as ironias de que não é só sangue que corre nas veias do realizador). Incrivelmente solitário, Ferrara fazia por estes anos variações rarefeitas dos seus temas: a vertigem do mal, a impossibilidade de redenção. Os seus filmes, em relação aos géneros cinematográficos (o filme negro), pareciam-se cada vez mais como os sonhos em relação à realidade: aqueles a vampirizarem esta. Em "New Rose Hotel", Dafoe e Walken, num mundo controlado pelas corporações e dominado pela espionagem industrial, tentam apoderar-se da alma de Argento, utilizando-a para seduzir um recluso cientista japonês. O filme passar-se-á entre Nova Iorque, Tóquio e Marraqueche, mas a deambulação espacial é virtual. A realidade é um longo monólogo interior e tudo o resto é sugestão. O filme às vezes parece um encontro "underground" entre um cineasta e os seus actores, para um esboço de algo que nenhum deles sabe o que é, uma espécie de ensaio cheio da teatralidade do falhanço - sim, há algo de "wellesiano" por aqui (e Walken, coxo, podia ter saído de "A Dama de Xangai"). O último filme do realizador, "R-Xmas", deu sinais de que Ferrara acordou, finalmente, do seu sonho - embora mesmo durante esse coma continuasse a haver sinais do que de mais singular e individualista existe no cinema americano. Mesmo num objecto tão imponderável como "New Rose Hotel", é impressionante a luz negra de Abel Ferrara.
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