Um conceito antigo, inspirado na filosofia budista, designado como uma das competências-chave da Terapia Dialética Comportamental — sistema terapêutico desenvolvido nos anos 1970 pela psicóloga americana Marsha Linehan —, o mindfulness ou atenção plena parece só muito recentemente ter despertado a atenção plena do público. A prová-lo, inúmeras publicações, workshops e até aplicações para treinar a mente na arte da atenção ao momento presente. Entre as quais, vários livros e artigos que analisam a interseção entre a filosofia budista e as mais recentes descobertas das neurociências.
Já Gandhi dizia: “Há dois dias em que nada podemos fazer — ontem e amanhã”, mas o facto é que grande parte do sofrimento psicológico a que estamos sujeitos no dia-a-dia resulta da ruminação sobre acontecimentos passados angustiantes ou da antecipação de possíveis fracassos futuros. Nos ensinamentos budistas, a atenção plena permite desenvolver o autoconhecimento e a sabedoria que nos libertam do sofrimento. Um conceito inseparável de outro, treino e disciplina para o mindfulness, o de aceitação radical — também este basilar no sistema terapêutico desenvolvido por Marsha Linehan. Passamos demasiado tempo zangados, revoltados ou tristes com realidades que não pudemos mudar — o mundo não é justo, as pessoas não são todas honestas — e agir face a estas realidades como gostaríamos que fossem, em vez de agir face a elas como realmente são, só resulta em dispêndio de energia e perda de equilíbrio.
O mindfulness exige treino e disciplina mental, mas promete libertar-nos do sofrimento. Como? Treinando a capacidade para observar, descrever e participar plenamente no momento presente de forma isenta de julgamentos e eficaz, isto é, sem julgar os factos como “bons”, “maus” “justos” ou “injustos”, sem se deixar avassalar pelas emoções e agindo face à realidade como ela é.
Esta capacidade permite desenvolver um funcionamento pessoal que resulta da interseção entre o funcionamento emocional — controlado pelas emoções, pouco lógico ou racional e em que as emoções distorcem os factos — e o funcionamento racional — intelectual, lógico e factual. Daqui resulta o chamado funcionamento sábio, ou mente sábia, que integra razão e emoção, junta intuição ao pensamento lógico e capta o sentido maior dos acontecimentos. E é este tipo de funcionamento que nos permite tolerar o stress que é inevitável e parte integrante da vida, manter-nos no controlo das nossas emoções em vez de nos deixarmos avassalar por elas e relacionar-nos de modo eficaz com os outros. Eis o poder do mindfulness!
Podemos treinar esta capacidade através de exercícios simples no dia-a-dia, tão simples que podemos praticá-la enquanto lavamos a loiça, comemos uma laranja ou caminhamos no parque com o nosso animal de estimação. Sigamos o exemplo do nosso cãozinho. Durante o passeio no parque, o dono está geralmente em modo “mind full”, ou seja, está geralmente a ruminar sobre a ousadia do colega de trabalho que o desafiou de manhã, a rispidez do chefe que o repreendeu à tarde ou a dispendiosa reparação do carro a pagar até ao final do mês. Já o animal vai em modo “mindfull”, apreciando o odor da erva molhada, a brisa do vento, o sol quentinho, a visão do espaço aberto e das árvores no parque.
Deixamos um exercício simples para entrar mindfull no novo ano. Permita-se 30 a 45 minutos para tomar banho. Não se apresse nem por um segundo. Desde o momento em que prepara a água do banho até vestir roupas limpas, deixe cada movimento ser leve e lento. Esteja atento a cada momento. Coloque a sua atenção em cada parte do corpo, sem discriminação nem medo. Esteja consciente de cada corrente de água a percorrer o seu corpo. Na altura em que acabar, a sua mente sentir-se-á tão pacificada e leve como o seu corpo. Siga a sua respiração. Pense que se encontra num lago de lótus, limpo e fragrante, no Verão.
Sandra Pinho, psicoterapeuta no CADIn
A autora segue o novo AO