Pode Abdeslam ser a peça central dos ataques a Bruxelas?

Teses sugerem que prisão do fugitivo de Paris pode ter precipitado os atentados. Repete-se mal-estar entre autoridades francesas e belgas.

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O homem mais procurado na Europa foi capturado na sexta-feira. A sua rede em Molenbeek pode ter ficado apreensiva. Nicolas Maeterlinck/AFP

Bruxelas foi atacada como Paris há quatro meses. As tácticas não foram exactamente as mesmas: os terroristas não abriram fogo durante vários minutos antes de se fazer explodir, por exemplo, nem atingiram locais pouco protegidos, como aconteceu nos cafés e bares da capital francesa. Desta vez escolheram alvos mais tradicionais, mas nem por isso há menos suspeitas de que os ataques desta terça-feira estão ligados aos atentados que em Novembro mataram 130 pessoas. Foi o mesmo grupo Estado Islâmico a reivindicá-los e tudo sugere que foram orquestrados por uma rede próxima da que atingiu Paris. Ou até a mesma.

Bastaram alguns minutos depois de explodirem as primeiras bombas no aeroporto de Bruxelas para que Salah Abdeslam surgisse já como a grande figura das investigações. O ministro do Interior belga alertara logo na segunda-feira para o risco de um atentado terrorista como represália pela captura do único presumível sobrevivente dos ataques de Paris. Pode não ser assim, mas é um facto que os dias que antecederam a sua detenção revelaram que a rede jihadista em que se inserira no bairro de Molenbeek era afinal muito maior do que as autoridades pensavam. 

Abdeslam foi capturado na sexta-feira e quatro dias podem não ser tempo suficiente para se pôr em marcha uma vaga de ataques como os desta terça-feira. “Não se organizam ataques estruturados e coordenados em quatro dias”, explicou à rádio Europe 1 o especialista em terrorismo Alain Bauer. Mas Abdeslam confessou aos investigadores que já estava a preparar um novo atentado quando foi detido. E, dias antes de ser preso, polícias belgas e franceses viram-se envolvidos num tiroteio com três suspeitos jihadistas numa comuna de Bruxelas — Forest, perto de Molenbeek — onde procuravam indícios sobre os ataques de Paris e acabaram por dar com o rasto de Abdeslam. Dois homens fugiram e um foi abatido. Na casa, as autoridades descobriram detonadores, um manual de salafismo e uma bandeira do Estado Islâmico.

Pode ter sido esse o momento que precipitou os atentados desta terça-feira em Bruxelas, por resposta à morte de um companheiro jihadista ou receio de que a investigação estivesse prestes a atingir uma nova rede de radicais belgas. “Qualquer uma destas hipóteses parece ser suficientemente importante para justificar que o Estado Islâmico acelerasse um processo que já estaria preparado há muito tempo”, argumenta Bauer. “É também muito possível que a rede extremista quisesse actuar antes que as agências de segurança agissem por via de informação divulgada por Abdeslam”, afirma o jornalista e especialista em radicalismo islâmico Jason Burke, no Guardian.

Desconfiança franco-belga
Um alto responsável belga afirmou sob anonimato ao portal Politico que Salah Abdeslam participou na orquestração dos ataques de Bruxelas. Em todo o caso, a investigação está ainda numa fase inicial e pouco se avança para além de terem sido encontrados novos engenhos explosivos e indícios da presença do Estado Islâmico em Molenbeek, em buscas realizadas durante a tarde desta terça-feira. Daí também que se pergunte — à semelhança do que aconteceu em Novembro — como é que as autoridades belgas foram outra vez incapazes de travar um atentado planeado no bairro do costume e o mesmo que policiaram intensamente nos últimos quatro meses.

“Pode ser que seja uma forma de ingenuidade”, sugeriu esta terça-feira o ministro das Finanças francês, Michel Sapin, numa repetição do ambiente de mal-estar entre vizinhos que se seguiu aos atentados de Paris, quando os franceses acusaram as autoridades belgas de incompetência no policiamento de Molenbeek. Os últimos quatro meses de investigações foram partilhados com a polícia francesa, que participou em várias operações neste bairro. Mas nem isso impediu que a desconfiança entre os dois países se reavivasse com a detenção de Abdeslam. “Somos mais reservados porque isso não põe o inquérito em risco”, ripostou Jan Janbom, ministro do Interior belga, quando o procurador-geral francês revelou dados do interrogatório a Abdeslam durante o fim-de-semana.

O Governo belga respondeu aos dois últimos atentados em Paris (Charlie Hebdo e 13 de Novembro) com novas medidas securitárias, já que em ambos se descobriu um rasto até Molenbeek. Em Novembro, por exemplo, o Executivo prometeu mais 400 milhões de euros para as suas forças antiterrorismo, colocou Bruxelas em alerta máximo de segurança durante cinco dias, anunciou buscas a toda a hora em casos de suspeita de terrorismo e prometeu a prisão de todos os belgas que regressassem de lutar contra o Estado Islâmico na Síria — na Bélgica são 534, mais em termos per capita do que qualquer outro país na Europa.  

Perante um novo atentado, porém, é possível que a justificação das autoridades belgas seja a mesma que foi dada no passado: não há meios suficientes para controlar todas as ameaças credíveis de radicalização islâmica. Entrevistado no fim-de-semana sobre a detenção de Abdeslam, o vice-presidente da Câmara de Molenbeek revelou que só no seu bairro há ainda 85 moradores sob investigação depois de regressarem de combater com grupos jihadistas no Médio Oriente. “Precisamos de descobrir quem é perigoso e quem não o é”, disse Ahmed al-Khannouss à revista Time.

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