Matt Taylor: “Os cometas são a aparição visual do espaço”

Os cometas continuam a fascinar-nos porque são um testemunho de que vivemos numa bola no meio do espaço, defende Matt Taylor, um dos responsáveis da missão Roseta, que já pôs a humanidade mais perto do que nunca de um cometa. Os próximos meses vão ser decisivos.

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Matt Taylor Nuno Ferreira Santos

Matt Taylor, 40 anos, é o cientista que faz a ligação entre a equipa científica e a equipa de operações da missão da Roseta, e esteve na semana passada em Portugal para o Congresso Europeu de Ciência Planetária, no Estoril, onde foram apresentadas as últimas novidades da missão. Na última terça-feira deu ainda uma palestra no Pavilhão do Conhecimento a convite do Ciência Viva. A Roseta “vai dar a melhor caracterização de um cometa de sempre”, disse, antes da palestra, ao PÚBLICO. Com esta informação, poderá ser possível conhecer mais sobre a evolução do sistema solar e o início da Terra.

Que novidades a equipa da Roseta anunciou no congresso?
Mostrámos a forma do cometa e as implicações na aterragem da sonda. Mas também temos os primeiros sinais do que vemos alguma actividade.

Há já alguma informação sobre a superfície do cometa?
Estamos a ter inferências a partir das medições de infravermelhos de que a superfície é escura e cheia de poeira, o que é diferente do que esperávamos se a superfície fosse mais gelada. Pode ter implicações na actividade do cometa. Haverá mais material em profundidade, abaixo da superfície, que será responsável pela actividade que estamos a ver.

E há moléculas orgânicas?
Começamos a fazer algumas detecções. Os espectrómetros que temos a bordo são muito sensíveis. Há moléculas orgânicas, há medições de água. Também há pó. Além disso, temos os instrumentos de plasma, que estão a começar a observar a influência dos ventos solares no cometa. O Sol está a começar a fazer-se sentir no cometa, e tem-se a interacção entre o vento solar e o gás libertado, observa-se a criação de partículas ionizadas a girarem à volta do campo magnético. Talvez tenhamos detectado um grão de gelo.

Desde a chegada da nave ao cometa, a 6 de Agosto, que observações foram feitas?
Esse momento foi um marco, ficámos a 100 quilómetros do cometa e ficámos na mesma órbita que o cometa tem à volta do Sol. De seguida entrámos nestas órbitas triangulares que desenham uma pirâmide à volta do cometa, e que foram pensadas para nos permitir obter informações sobre a gravidade. Chegámos gradualmente aos 50 quilómetros de distância, nas últimas semanas. Em Setembro, passámos para a fase de mapeamento global e vamos entrar na órbita do cometa. O cometa tem uma densidade baixa e não conseguimos entrar numa órbita clássica, que é distante. Temos de ficar muito próximos do cometa para entrar na sua órbita, e isso só acontece agora. Queremos saber qual é o potencial gravítico, qual é o seu efeito, como é que a aterragem da File vai ser feita a curto prazo.

Pode comparar a gravidade do cometa com a da Terra?
É um milhão de vezes mais leve do que a que sentimos cá na Terra. Há um potencial que se pode aproveitar da gravidade, mas é muito menor. Isso torna o cometa fascinante, porque a sua constituição poderá ser um agregado de matéria, e não um corpo rochoso com camadas como o interior de um planeta. Todos os elementos do cometa poderão estar ligados por uma gravidade fraca, algo que o tornará um objecto estranho e belo, que lhe dará uma densidade equivalente ao poliestireno ou à cortiça.

Podemos pensar no início do Sistema Solar, será que várias partículas próximas se juntaram formando o cometa?
Essa é uma das questões. Como é que obteve aquela forma? Talvez tenha sido formado por um contacto binário, quando há dois corpos a colidirem e a ficarem colados. Corpos como estes têm lóbulos. Neste caso, há um lóbulo maior e um menor – se o cometa for visto como um pato, há o corpo do pato e a cabeça do pato. Será que foram dois objectos separados que se agregaram? Dado que estamos a ter indicações de actividade na região do pescoço, será que o cometa foi, por outro lado, esculpido? Será que partimos de um cometa arredondado com um aspecto normal, em que a região central com mais elementos voláteis tem sido esculpida pela actividade do Sol?

Há alguma pista para essa teoria?
As assinaturas espectroscópicas da superfície dos lóbulos não parecem ser muito diferentes. Por isso talvez sejam corpos similares. A região do pescoço parece ser um pouco diferente. Quando a sonda se aproximar, vai sentir as diferenças de gravidade. Aí poderemos ter uma pista se houver diferenças de gravidade entre os dois lóbulos, isso vai permitir determinar se têm diferentes densidades, e aí é possível pensar se eram dois corpos diferentes.

Quais os desafios na escolha do lugar para a File aterrar?
Tínhamos uma ideia de que o cometa tinha a forma de uma grande batata porque só o podíamos medir a partir da Terra. Quando vimos o pato, soubemos que esta forma iria reduzir estatisticamente os lugares onde poderíamos aterrar. Com o cometa a girar e a nave a orbitar, é muito difícil acertar na região do pescoço porque não se consegue obter uma trajectória precisa. A aterragem não vai ser guiada, vai usar-se a gravidade, demorará bastante tempo e terá uma trajectória curva. Depois, é necessário a Roseta largar a File de uma certa forma. Se o local de aterragem fosse em certas regiões, a Roseta teria de se aproximar demais do cometa. As câmaras da Roseta têm olhado para a superfície à procura de rugosidades, já que procuramos superfícies planas para aterrar. É possível que um lugar plano seja seguro para aterrar mas pode indicar que aquela região tem estado activa. Há este desafio de tentar perceber o que é que o cometa está realmente a dizer-nos tendo em conta a informação limitada que temos.

Qual é a importância de aterrar no cometa?
Tivemos missões passadas a cometas, mas elas voaram a centenas de quilómetros de distância e a dezenas de quilómetros por segundo. Tiraram uma fotografia e é tudo. A Roseta vai ficar com o cometa durante um ano. Vai estar lá no periélio, quando o cometa fica mais perto do Sol e quando está mais activo. Temos um camarote durante um ano para ver como é que o cometa evolui de um momento em que está pouco activo até a altura em que está mais activo. Nesta posição, podemos também “cheirar” o gás e “provar” a poeira que é libertada. A File dá o passo seguinte. A superfície do cometa está a emitir gás e material que vão gradualmente evoluir. Quanto mais longe se está do cometa, menos prístino o material é. A File dá-nos acesso ao material mais prístino.

E o que é que os instrumentos do File vão medir?
Em órbita temos análise remota, espectrometria de massa e no local há um conjunto semelhante de instrumentos. Há uma broca, pode-se retirar amostras e aquecê-las em pequenos fornos para fazer as medições de espectrometria em massa. Tal como na Rostea, há instrumentos de plasma que analisam a actividade da matéria desionizada. Há uma câmara que vai filmar a superfície do cometa. Há um instrumento que liga a Roseta ao File e envia ondas rádio. Mas essas ondas vão ser modificadas quando o cometa está entre o File e a Roseta, a forma como são refractadas e dobradas dentro do cometa dá-nos uma ideia de como é, isso é uma grande questão da ciência dos cometas.

O que esperam descobrir com esta missão?
Vai dar a melhor caracterização de um cometa de sempre. Quando voltarmos a olhar para o núcleo do cometa depois de o cometa passar o periélio, será que vamos observar uma mudança na sua forma? Será que vamos ver regiões diferentes? Vamos ver a evolução da superfície, que nos dá imensa informação sobre como é que o cometa funciona.

Que conclusões podem obter sobre o sistema solar?
O material dentro do cometa é o resto do início do sistema solar, por isso é material primordial. Ao olharmos e compararmos com outros objectos no sistema solar pode-se ter uma ideia de como é que estes objectos estão ligados. A grande questão é como é que a água foi parar à Terra. Pode-se comparar a água do cometa com a água dos oceanos, através da proporção de isótopos. Há outros químicos e moléculas que se pode procurar no cometa que dão uma ideia onde ele se formou em relação ao Sol. E pode-se juntar tudo isto com as simulações que fizemos para dar uma ideia da evolução do próprio sistema solar.

E sobre a actividade do cometa?
Eu sou um físico de plasmas e estou interessado em perceber como é que o corpo interage com o vento solar. Quando se olha agora para o núcleo, diz-se que uma região vai estar activa, mas depois vamos ficar a saber se realmente era ou não activa. Antes de chegarmos periélio vamos identificar uma região activa, e depois vamos tentar sobrevoar essa região, focar nesse ponto e fazer medições do local. Isso vai permitir compreender a interacção da superfície com o vento solar, como é que o cometa funciona ao mais alto nível.

A actividade do cometa é perigosa para o File?
Não como poderia ser. A aterragem terá de ser em Novembro, depois disso o cometa já estará muito activo. Se houver muita actividade, então o material vai depositar-se em cima dos painéis solares e isso, em última instância, limita o tempo de vida do File. E não queremos estar demasiado perto de uma região activa onde todo o chão se pode levantar.

Porque é que os cometas continuam a causar fascínio?
Os cometas são a aparição visual do espaço. É algo que aparece e desaparece, e vai em direcção a um sítio longínquo, isso desponta curiosidade e mistério. Vemos isso nos comentários, pomos uma fotografia na Internet e cada pessoa tem uma opinião do que aquilo é. Parece-se com uma rocha, mas é só porque o cometa está a ser mostrado de uma certa forma. Na realidade, tem uma cauda de poeira com 19.000 quilómetros, é uma entidade realmente enorme no meio do céu. Daí vem o fascínio, é um mundo alien, é completamente diferente de tudo o que se possa ver na Terra.

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