Agora, espiões?
Acoisa, a ser verdade, é quase inconcebível. Vamos por partes. Fernando Lima - assessor de imprensa da Presidência da República e um homem de longa e comprovada fidelidade ao dr. Cavaco - telefonou, em Abril de 2008, a um editor deste jornal, Luciano Alvarez, para lhe pedir um encontro, num "café discreto" da Avenida de Roma. Nesse encontro, Fernando Lima disse a Luciano Alvarez que o dr. Cavaco tinha uma suspeita grave - a suspeita de que o gabinete do primeiro-ministro o andava a "espiar". E disse mais: disse que falava com o conhecimento e por sugestão do próprio e chegou a indicar o nome de um possível agente. Conhecendo Fernando Lima como conheço, não o julgo capaz de inventar uma história desta estranha espécie e muito menos de a comunicar a terceiros, sem ordem superior.Na falta de corroboração positiva, José Manuel Fernandes não publicou nada sobre o assunto. Só que, em Agosto passado, um outro informador da Casa Civil do Presidente, a propósito da alegada colaboração de Belém com Manuela Ferreira Leite, repetiu as queixas de Fernando Lima e José Manuel Fernandes resolveu que já não havia fundamento bastante para abafar o caso. Sócrates comentou que se tratava de uma "brincadeira de Verão". E Cavaco não abriu a boca - ostensivamente para não interferir na campanha eleitoral. Mas também, ponto essencial, nunca desmentiu que o "espionavam", um acto simples que ninguém poderia considerar uma interferência. Não desmentiu nessa altura e até continua a não desmentir hoje. Atribuir esta reserva à suposta "paranóia" do senhor é fácil demais.
Não vale a pena examinar os pormenores da história ou apreciar o comportamento do Diário de Notícias, que ontem revelou fontes que não eram dele e transcreveu um e-mail privado (repito: privado) de Luciano Alvarez, sem esclarecer a respectiva (e muito relevante) proveniência. Vale a pena pensar que não se trata aqui de um "caso" normal. Discutir seriamente, como se discute, se o gabinete do primeiro-ministro anda (ou andou) a espiar o Presidente da República é um atestado da corrupção do regime. Ao que parece, o Estado de direito, que por aí hipoteticamente existe, acabou por se transformar num manicómio (para não lhe chamar pior), onde as grandes personagens se traem e vigiam como num romance popular americano. E o país tolera o intolerável, com equanimidade e deleite.