Quando o cérebro nos foge para as decisões
Não damos um passo sem tomar decisões, e não nos apercebemos da actividade inconsciente que dá confiança a tudo o que fazemos. Zachary Mainen é investigador no Instituto Gulbenkian de Ciência e quer perceber como é que apreendemos a realidade: os ratos deram uma nova perspectiva a processos que pensávamos ser quase exclusivamente humanos
a A confiança anda à volta do trabalho de Zachary Mainen e está sempre presente no nosso quotidiano. Serve-nos como avaliador da realidade, apesar de termos tendência para lhe dar mais importância quando ficamos sujeitos a extremos, como quando somos traídos. Mas está lá, vive dentro de nós nas mais pequenas coisas, ajuda-nos em todas as decisões. Faz-nos apanhar imediatamente o táxi quando chegamos 30 segundos atrasados à paragem de autocarro e não vemos ninguém. Faz-nos esperar meia hora, e comer uma colherada de má disposição, quando nos sentamos na mesma paragem vazia cinco minutos antes e não vemos o autocarro chegar (ele há-de vir). O que está por trás da confiança na decisão ainda está por definir. Mas os investigadores sabem que existem muitos processos inconscientes que se desenrolam a partir daquilo que apreendemos da realidade e que utilizamos para a definir, para encontrar uma verdade que nos permita tomar decisões, e, ainda melhor, reformulá-las. No fundo, esperar pelo autocarro ou apanhar o táxi.
Zachary Mainen tem 39 anos e chegou para ficar em Portugal há poucos meses. O investigador trabalhava e era professor em Nova Iorque, no Cold Spring Harbour Laboratory, um dos mais prestigiados centros de investigação do mundo.
O Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, é desde Maio a casa transitória do cientista onde é investigador principal de um grupo de neurociências que dedica o tempo a perceber o que se passa no cérebro quando se tomam decisões. O norte-americano tem um contrato com a Fundação Champalimaud para coordenar o novo programa de doutoramento em Neurociências da fundação cuja base física é por enquanto o IGC. E faz parte da organização que está a estruturar as fundações do novo instituto, projectado para ficar pronto no centenário da República.
Em Agosto saiu um artigo na revista científica Nature em que Zachary Mainen assina como último autor. É um estudo sobre cheiros, decisões e estimativas de confiança. Tudo em ratos. "Pensamos que tomamos decisões baseadas nas nossas considerações, mas na realidade o que realmente acontece é que o nosso cérebro [a parte inconsciente] toma a decisão e nós vamos com ele", disse o cientista ao P2.
O estudo foi feito ainda em Nova Iorque. Os investigadores punham os ratos em contacto com um cheiro que era uma mistura de dois odores puros. Os ratos tinham de escolher entre duas portas consoante o odor que estivesse em maior percentagem. Se escolhessem a porta certa era-lhes dada uma recompensa, neste caso água. O teste podia ser fácil quando um dos odores estava em maior quantidade ou difícil se tivessem em quantidades semelhantes - por exemplo 56 por cento de A e 44 por cento de B.
Durante a experiência, os ratos tinham uma espécie de capacete que media a actividade das células do cérebro, os neurónios, da parte da frente do cérebro. A escolha da porta era muito rápida. Mas o que os cientistas verificaram era que depois de os ratos terem feito a escolha, os neurónios disparavam muito mais quando as concentrações dos odores eram semelhantes.
Numa segunda experiência, os cientistas deram aos ratos a possibilidade de abortarem o teste e voltarem a tentar, antes da recompensa ser dada. Os ratos abortavam mais nas concentrações dos cheiros semelhantes e com a tal maior actividade neuronal depois da decisão. "Testámos várias explicações, mas a melhor parece ser a de que estas células assinalam a confiança que o rato tem na sua decisão. Estimar a confiança numa decisão poderá ser um componente neurológico básico, e, na verdade, uma característica partilhada por todos os animais", disse o cientista.
Da célula à sociedade
Até agora o mundo científico, que nesta área tem sido dominado pela psicologia, pensava que esta capacidade era exclusiva do homem e dos outros primatas. Mas o mais certo é ser abrangente. "À medida que vamos estudando biologia o que se percebe é que fazemos todos parte do processo de evolução. Eu gosto especialmente quando se consegue ver os mesmos princípios em níveis diferentes de complexidade", explicou Zachary.
Em última instância, o cientista gostava de ir aos extremos e verificar decisões e estimativas de confiança em seres formados só por uma célula, como as bactérias, ou em sociedades de animais, como as formigas.
"Nós ainda não sabemos o que pensar sobre as decisões. Existe algum nível de decisão em células. No cérebro existem alguns locais mais importantes do que outros, mas achamos que é mais uma questão de coordenação. Como numa colónia de formigas (com o devido distanciamento), em que não existem indivíduos que tomam decisões, mas as coisas são decididas e sabe-se que existem regras locais que põem a colónia a ir para este ou para outro local."
O que é explícito é que a sociedade humana não tem o mesmo modelo para o seu funcionamento. Um certo número de indivíduos, um governo dentro de uma sociedade, toma as decisões. "Talvez tenhamos encontrado uma forma melhor para fazer as coisas, mas talvez tenhamos estragado tudo. Nós não tiramos vantagem do conhecimento de todos os indivíduos para resolver os problemas."
Facto e ficção
O conhecimento na sociedade vinculado pelos media é um bom paralelismo entre o consciente e o inconsciente humano, explica Zachary. "A consciência é para o cérebro o que as notícias são para a sociedade. Os media são uma destilação do que se passa que é parcial, há milhões de coisas a acontecerem. E existem milhões de coisas a passarem-se no cérebro, nem tudo pode ser destilado numa linha de pensamento", explica o cientista.
O que não quer dizer que não se utilize muita informação não consciente para tomar decisões. "No livro O Erro de Descartes, António Damásio mostra que não devemos pensar na razão separada da emoção. Usamos a experiência para fazermos uma previsão, e a um certo nível isso é emocional, é intuitivo, não é racional." No rato, a parte consciente decide abortar a acção depois de a decisão estar tomada e das hipóteses do sucesso estarem estimadas com base em muita informação inconsciente. "É necessário ter sempre uma medida da confiança nas nossas decisões, ou na nossa memória. O que me interessa é como é que formamos essas ideias intuitivas sobre o que é verdade e o que não é verdade."
Por isso o investigador já tem em vista o próximo passo. "A próxima experiência que pensamos fazer é uma experiência de memória, os animais aprendem algo e depois perguntamos se reconhecem o que aprenderam. Isto é outra forma de avaliar no que é que se acredita. O que é que significa a diferença entre facto e ficção para os animais? Não sabemos, mas os humanos fazem algo de semelhante. Podemos perceber com os ratos e extrapolar para diferentes tipos de problemas e de animais", conclui o investigador.