Isabel dos Santos: A face invisível dos negócios angolanos em Portugal
A filha do Presidente angolano José Eduardo dos Santos tem cada vez mais negócios no seu país de origem e em Portugal. Mas nada disso a faz alterar a sua postura de total discrição, o que dificulta a resposta à pergunta: afinal, quem é Isabel dos Santos, e como é que tem montado o seu império empresarial? Por Luís Villalobos
Para Isabel dos Santos, este foi um ano em grande no que diz respeito aos negócios, e ainda falta cerca de um mês para chegar ao fim. Até lá, tem ainda a oportunidade de acrescentar um outro projecto ao pequeno império empresarial que já montou.
Na terça-feira foi lançado para o espaço um satélite da Eutelsat, a partir do Cazaquistão, que permitirá reforçar os serviços prestados pela empresa de comunicações. Entre os seus clientes estão a filha do Presidente angolano José Eduardo dos Santos e a portuguesa Zon. É este satélite que irá permitir o arranque do mais recente negócio da empresária, a televisão por subscrição em Angola através de uma parceria onde detém 70 por cento do capital, ficando a Zon com os restantes 30 por cento.
A analogia é fácil, mas este é apenas mais um sinal de que os investimentos de Isabel dos Santos estão em plena ascensão, sejam em Portugal ou em Angola. O nome de Isabel José dos Santos, ou simplesmente Isabel dos Santos, como é conhecida, é hoje um sinónimo de negócios. E se estes são cada vez mais, o certo é que a empresária, nascida em 1973, filha única do primeiro casamento de Eduardo dos Santos (com Tatiana Kukanova, quando foi estudar para a ex-URSS), não alterou a sua postura de total discrição pública.
Negócios em expansãoPara a primogénita do Presidente angolano, formada em Engenharia em Londres, este foi, de facto, um ano repleto de avanços e concretizações. Após ter comprado ao BCP os 9,7 por cento que o banco detinha no BPI, por 164 milhões de euros, colocou em Abril um gestor da sua confiança, Mário Silva, no conselho de administração da instituição financeira liderada por Fernando Ulrich.O banco BIC Portugal, onde detém 25 por cento e faz parceria com Américo Amorim (dono de outros 25 por cento), terminou em Junho a sua primeira fase de expansão no mercado nacional com a abertura do sexto escritório em Braga. E foi através deste banco que Isabel dos Santos assumiu recentemente o seu primeiro cargo numa empresa no território português, fazendo agora parte do conselho de administração do BIC Portugal, gerido por Luís Mira Amaral. Uma forma de acompanhar mais de perto os seus investimentos.
Na Galp Energia, onde está indirectamente através da Amorim Energia (é sócia da Sonangol na Esperaza, empresa com sede na Holanda, onde tem 40 por cento do capital, e que por sua vez é accionista de referência da Amorim Energia), é dona de seis por cento da petrolífera. Esta percentagem, que a torna na quarta maior accionista, já lhe rendeu cerca de 56 milhões de euros em dividendos desde 2006 até meados deste ano.
A par da Sonangol, Isabel dos Santos é a maior investidora em Portugal. Segundo a consultora AT Kearney, os investimentos da empresária e da petrolífera estatal angolana valiam, no início de Setembro, três por cento do principal índice da bolsa portuguesa, o PSI20, o que equivale a 1813 milhões de euros. Enquanto não ocorre uma maior distribuição de riqueza em Angola, com o despontar de classe média e novos empreendedores, Isabel dos Santos continua a fazer parte do sector privado angolano, que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) caracteriza com sendo "dominado por uma elite muito restrita, ligada aos partidos".
Objectiva e implacável No único depoimento escrito que lhe é conhecido em Portugal, um direito de resposta que enviou à Sábado, em 2007, a propósito de um artigo da revista que motivou mesmo um processo, Isabel dos Santos fez questão de sublinhar a sua independência face a ligações familiares. "Não represento nenhum interesse e não represento ninguém, a não ser a mim própria. Há mais de uma década escolhi uma carreira diferente e independente da minha família", afirmou. O certo é que os seus dois meios-irmãos, "Tchizé" dos Santos e José Paulino dos Santos, são menos dados às lides de investimentos empresariais. Ligados à Semba Comunicações, uma consultora, tiveram ambos uma participação no angolano Banco de Negócios Internacional (BNI), mas já venderam as suas acções.A discrição de Isabel dos Santos, por oposição à visibilidade crescente dos seus negócios, segundo afirma quem lidou com a empresária, está relacionada com a sua própria personalidade. Gosta de conversar, de negociar, ver obra feita e os investimentos a darem frutos, mas sente-se pouco à vontade quando exposta publicamente e revela muitas reticências no que toca a lidar com a comunicação social. Algo que é visível mesmo em termos de imagem, já que há poucas fotografias suas disponíveis. A mais distribuída, nomeadamente na Internet, foi feita por um fotógrafo da agência Lusa em 1992.
Adversa a grandes aparições, sente-se como peixe na água quando há algo objectivo para tratar, como numa reunião de negócios. Mas o facto de não gostar de ser uma figura pública não quer dizer que deixe de marcar presença em determinados eventos, como foi o caso do casamento da filha do presidente executivo do BPI, Fernando Ulrich, em Maio deste ano.
Nas suas variadas deslocações a Portugal, que aproveita para visitar conhecidos e lidar com os responsáveis pelos seus investimentos, tanto fica alojada no apartamento que comprou em Lisboa como opta por ficar em hotéis, conforme seja mais prático. Uma outra cidade que faz questão de visitar é Londres, seja pela sua anterior ligação à capital inglesa, seja porque é aqui que reside a sua mãe. Tida como uma pessoa simpática e afável, também há quem a descreva como algo fria, precisa e implacável nos processos de negociação. "Extremamente dinâmica", "objectiva" e "muito profissional", bem como "bonita" e detentora de "bom gosto", foram outras características de Isabel dos Santos apontadas ao P2 por responsáveis ligados aos negócios entre Portugal e Angola que preferiram não ser identificados.
As últimas notícias dão-na como futura parceira da Sonae na entrada do grupo português (proprietário do PÚBLICO) no mercado retalhista angolano. Primeiro, foi a revista Focus em Junho, que mostrava mesmo fotografias da empresária, acompanhada pelo marido, Sindika Dokolo, e por gestores da Sonae, a visitar o interior de um hipermercado Continente.
Depois, o Diário Económico fez manchete há cerca de duas semanas a dar o negócio como certo. A Sonae reagiu, afirmando que está atenta a oportunidades, mas que ainda não existe "qualquer acordo firmado ou prestes a ser firmado de investimento neste mercado". Ou seja, este é um processo de namoro negocial entre duas partes que ainda agora começou, mas que ambas gostavam de ver concretizado.
Para a Sonae, é todo um novo mercado, num país que tem vindo a crescer economicamente desde o fim da guerra e onde falta oferta, seja em qualidade seja em quantidade. Para Isabel dos Santos, é uma nova oportunidade de expandir, ainda mais, os seus negócios.
De Luanda a Portugal Foi na sua terra natal que começou a carreira empresarial, facilitada ao nível dos contactos e influências por ser filha do responsável máximo do partido do poder, o MPLA. Não é fácil perceber ao certo até onde é que, neste país, se alargaram os seus negócios, mas tudo terá começado no final de década de 90, ficando responsável pela empresa que geria a recolha de lixo na zona de Luanda. Juntamente com outras personalidades afectas ao regime, o seu nome surge ligado também a empresas que operam nas áreas da agricultura, dos diamantes, do petróleo e do gás, da indústria e da restauração. Mas torna-se complicado confirmar oficialmente todos os investimentos por falta de informações, até porque Isabel dos Santos recusa dar entrevistas, não tendo o P2 sido uma excepção. E essa postura é respeitada e levada à letra pelos que lhe estão mais ligados, como o sócio Américo Amorim, Mário Silva, que gere os seus investimentos em Portugal através da Santoro, e Mira Amaral, o dinamizador do BIC Portugal. Nenhum deles se mostrou disponível para responder às perguntas sobre a empresária.Certo é que os negócios começaram a ganhar dimensão e visibilidade a partir do início desta década. Em 2001 a "princesa", como é conhecida em Angola, lançou, via Geni, a Unitel, empresa privada de comunicações móveis, onde tem como sócios a Portugal Telecom e a Sonangol.
Tendo recebido a licença por parte do Governo através de adjudicação directa, a Unitel é hoje líder de mercado e a maior empresa privada de Angola. Foi também nesse ano que se fundou o Banco Espírito Santo Angola (BESA), onde Isabel dos Santos detém parte do capital.
As ligações a Portugal começam então a intensificar-se, até porque o BES é accionista de referência da PT. O passo em frente dá-se em 2005, quando lançou em Angola o Banco Internacional de Crédito (BIC) juntamente com Américo Amorim e outros sócios como Fernando Telles, presidente da instituição, e Sebastião Lavrador, ex-governador do Banco Nacional de Angola.
O banco, que contou com muitos quadros que estavam ligados ao Banco de Fomento de Angola (BFA), cresceu rapidamente e é hoje um dos maiores do mercado angolano, tendo alargado a sua actividade a Portugal. No ano passado, voltou a reforçar os investimentos no mercado angolano, tendo a Unitel adquirido 49 por cento do BFA, a maior instituição financeira local e que era detida a 100 por cento pelo BPI. Um processo que contou com a pressão do Governo angolano, que exigiu a abertura do capital dos bancos detidos por estrangeiros a investidores locais.
O amante de arte africana Investidora de longo prazo, Isabel dos Santos reforçou as suas ligações a Américo Amorim entre 2005 e 2006. Entrou no capital da angolana Nova Cimenteira, substituindo a Teixeira Duarte, aliada a Amorim. Pouco tempo depois fez parte do consórcio Amorim Energia, a quem o Estado vendeu 33,3 por cento da Galp Energia, estreando-se assim em Portugal e diversificando os seus negócios de Angola para a Europa.O seu marido, o congolês Sindika Dokolo, é um dos administradores não executivos da Amorim Energia. Isabel dos Santos casou-se com ele em Dezembro de 2002, numa cerimónia que reuniu perto de 800 pessoas em Luanda, incluindo diversos portugueses, sendo metade dos convidados familiares dos noivos. Sindika Dokolo tem sensivelmente a mesma idade de Isabel dos Santos (nasceu em 1972) e, tal como a filha de Eduardo dos Santos, também nasceu numa família privilegiada.
Filho de Sanu Dokolo, milionário congolês que fundou o Banco de Kinshasa, e de Hanne Kruse, dinamarquesa, Sindika viveu diversos anos em Paris. Embora seja formado em Economia, tem sido mais conhecido pelas suas ligações à arte contemporânea africana. Herdou dos pais parte do fascínio pela arte, tendo ficado com uma colecção de arte congolesa do século XIX. Mas o grande marco foi a aquisição, há perto de oito anos, do espólio do alemão Hans Bogatzke, que tinha uma das mais interessantes colecções privadas de arte africana contemporânea.
Dono de uma fundação com o seu nome, com sede em Luanda, Sindika Dokolo tem vindo a enriquecer o seu património cultural como novas aquisições, incluindo obras de Jean-Michel Basquiat. "Esta é uma colecção africana, não de arte africana", afirmou uma vez, citado no sítio de Internet da fundação.
Organizador de exposições, tem como objectivo abrir o primeiro centro de arte contemporânea em Luanda dentro de três anos e colocar a cidade que escolheu para viver com Isabel dos Santos no mapa do circuito de arte mundial.
Em 2006 escreveu: "A ideia de que, para o século XXI, a contribuição de África na história de arte mundial se reduziria ao artesanato decorativo gela-me o sangue. Ou talvez não. Faz-me ferver." Não deixa, no entanto, de ter um papel activo a nível empresarial ao lado de Isabel dos Santos e, além de marcar presença na Amorim Energia, detém, entre outros negócios, a Amigotel, empresa retalhista de comunicações com relações comerciais com a Unitel.
Entre os investimentos e activos que já tem nas áreas das telecomunicações, banca, energia e indústria, Isabel dos Santos é hoje uma das mulheres mais ricas de Angola (senão mesmo a mais rica) e da África subsariana. Tudo indica que pretende continuar a crescer no mundo dos negócios e que, à medida que for ganhando dimensão, mais dificuldades irá sentir para manter a sua postura de reserva total face à opinião pública.