Holden Roberto, um líder angolano entre o tribalismo e o nacionalismo
Holden Roberto desapareceu ainda como presidente do partido que fundou em 1962. Foi várias vezes contestado. Será lembrado como "grande referência do nacionalismo angolano"
a Holden Roberto, presidente da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e último sobrevivente dos três líderes históricos dos movimentos de libertação que assinaram com Portugal os Acordos do Alvor para a independência de Angola em 1975, já estava muito doente quando há pouco mais de uma semana lançou em Luanda um apelo a todos os militantes do partido para se unirem."Apelo fraternamente a todos para que trabalhemos juntos no sentido de reforçar a nossa coesão e unidade internas", disse na última reunião do Bureau Político da FNLA em que esteve presente, a 25 de Julho.
Foi a derradeira expressão de um desejo de unir um partido frequentemente dividido e cuja liderança foi, em vários momentos, contestada.
O "velho" Holden Roberto, como é respeitosamente chamado, morreu às 18.30 de quinta-feira, doente, na sua casa em Luanda. Tinha 84 anos.
A cerimónia fúnebre está a ser preparada pela presidência da República - Holden Roberto era membro do Conselho de Estado. Aquele que é reconhecido por alguns como o "fundador do nacionalismo angolano" e um dos três pais da independência terá um funeral de Estado. Mas a notícia pouco relevo teve nos media oficiais em Angola.
Holden Álvaro Roberto nasceu a 12 de Janeiro de 1924, em Mbanza-Congo, antiga cidade de São Salvador, na província do Zaire que faz fronteira com o antigo Congo Belga, ex-Zaire, para onde foi viver com os pais aos dois anos. Fez os estudos primários e secundários numa missão protestante na antiga Léopoldville (Kinshasa), onde trabalhou como contabilista na administração pública colonial belga durante oito anos, antes de se lançar na luta pela independência, em 1954.
Nesse ano que participou na fundação da União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), de base étnica bakongo, que viria a transformar-se em UPA, no final de 1958, e em 1962, em FNLA.
Emigrado e exilado
Holden Roberto passou grande parte da vida fora de Angola. Primeiro no ex-Zaire durante a luta de libertação; depois no exílio em Paris. Em 1992, regressou a Angola para concorrer às eleições presidenciais. Foi o terceiro mais votado na primeira volta, a seguir a José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi. O seu partido também conquistou o terceiro lugar como mais votado na Assembleia.
Desde esse ano que vivia em Angola, mas ía muitas vezes a Paris para tratamento médico. Foi da capital francesa que, no início do ano, Holden Roberto anunciou a sua retirada da vida política activa. Um dos seus vice-presidentes e braço-direito, Ngola Kabangu, disse ontem ser "preciso respeitar a memória de Holden Roberto" trabalhando no sentido da "coesão e unidade" do partido. "Este é um momento de luto e de dor", disse Kabangu, forte candidato à sua sucessão, já estava em preparação. O jornalista e sociólogo João Paulo N"Ganga, autor do livro Pai do Nacionalismo Angolano - Memórias de Holden Roberto, a ser editado brevemente em Angola e Portugal, diz: "Holden Roberto era a maior referência do nacionalismo angolano. Foi ele que deu o pontapé de saída para o início da luta. Foi ele quem introduziu o conceito de que o colonialismo português só podia ser combatido através da luta armada."
Massacres e reconciliação
Nos massacres desse 15 de Março de 1961, na província angolana do Zaire, de onde Holden Roberto era natural, morreram centenas de colonos brancos e contratados angolanos. Foi um dos episódios sombrios do seu percurso. A sua imagem ficou colada a essa violência. E a sua liderança foi contestada, mais do que uma vez, muito por causa disso. Dias antes tinha havido os ataques às prisões, a 4 de Fevereiro, oficialmente a data de início da luta armada em Angola (à qual se seguiria Guiné-Bissau em 1963 e Moçambique em 1964).
Mas para João Paulo N"Ganga, "sem esses massacres nunca se teria encarado a possibilidade de uma independência de Angola". Foi só então que o poder colonial reagiu. A frase de Salazar "Para Angola e em força" resultou dessa acção.
"Vamos ver se um dia se poderá reconhecer o seu trabalho, o seu legado. É triste que em Angola e no mundo não se conheça bem Holden Roberto." Esse quase desconhecimento, diz João Paulo N"Ganga, deve-se em grande parte à predominância da corrente luso-tropicalista sobre a corrente panafricanista - à qual Roberto pertencia.
A primeira defendia que os movimentos de libertação tinham nascido entre os estudantes da casa do Império em Portugal, com Mário Pinto de Andrade, Amílcar Cabral e outros. A segunda, de Patrice Lumumba do ex-Congo belga, e à qual Holden Roberto viria a aderir, privilegia a ideia de que as grandes mutações que conduziram às independências deram-se em África, com Nkrumah no Gana, Nyerere na Tanzânia, Kaunda na Zâmbia, e as teses do médico e ensaísta Frantz Fanon, ícone do conceito de negritude.
África nas origens
Quando Fanon faz um discurso incendiado na Conferência dos Povos Africanos no Gana em 1958, a mesma em que Nkruma - presidente do que é o primeiro país africano a conquistar a independência - lança a ideia de que é possível libertar as colónias africanas, Roberto é o único angolano presente.
Foi como representante da UPNA que antecedeu a UPA. Se para uns era a faceta de líder tribalista e fratricida, mais interessado na luta em nome da etnia bakongo, do Norte de Angola, como chegou a ser acusado logo no início da luta, para outros, é o líder "clarividente, perseverante e determinado" que, depois da independência, se dedicou à reconciliação nacional, lançando apelos, a partir do exílio em Paris, nos anos 1980, a José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi.
Foi o único dos três signatários dos Acordos do Alvor (além de Agostinho Neto e Jonas Savimbi) que abandonou as armas em 1985. Depois das eleições de 1992, recusou voltar à guerra. "Defendeu aquilo que eram na altura as instituições democráticas do Estado e participou no parlamento angolano", diz João Paulo N"Ganga. Seria porventura essa a maneira escolhida por Roberto para celebrar a "fase da evolução" depois da "fase da revolução" que para ele acabara.
Controversa também foi a falta de abertura com que conduziu os destinos do partido - a sua liderança entrou verdadeiramente em decadência em 1972, depois da forte repressão dentro do partido. Na própria base de Kinkuzu, no ex-Zaire, foram eliminados comandantes que contestaram a sua liderança.
A sua imagem também aparece muito colada à do ditador Mobutu Sese Seko, de quem precisava para usar o ex-Zaire como base de retaguarda para o seu movimento. Algo que o MPLA não tinha e que terá sido uma das motivações para o surpreendente acordo entre o pró-soviético movimento de Agostinho Neto, o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), e a pró-ocidental FNLA, de 1960, e que mais tarde viria a falhar. Holden Roberto queria assumir sozinho a liderança da luta de libertação. Mais tarde viria a aliar-se com a UNITA de Jonas Savimbi, contra o MPLA.
Mas em 1960, o acordo com o MPLA permitia a este entrar no Zaire, e à FNLA ganhar credibilidade junto da Organização de Unidade Africana que até então não a reconhecia como movimento de libertação.
O apoio dos EUA
Para a falta de reconhecimento da FNLA (e da UNITA) terá contribuído o apoio financeiro e militar que o movimento de Holden Roberto recebia da CIA (serviços secretos dos EUA) em plena Guerra Fria.
O próprio Jonas Savimbi acusou Roberto de ser uma criação dos EUA, quando se incompatibilizou com o líder da FNLA, e abandonou o seu cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, no Governo criado por Holden Roberto no exílio - Governo Revolucionário de Angola no Exílio, de que o líder da FNLA era primeiro-ministro e que em Agosto de 1962 foi reconhecido pela OUA e por 32 países africanos e 2 asiáticos.
Quando a 25 de Julho Holden Roberto apelou à unidade do partido, já sabia decerto que não sobreviveria até Novembro, quando está previsto o Congresso que decidirá da sua sucessão. "O estado de saúde dele era muito débil. Ele estava muito fraco", diz N"Gongo, que o via quase diariamente e há meses o entrevistava para escrever as suas memórias. "Esse apelo à unidade é muito simbólico. Ele queria o Congresso para que houvesse uma sucessão pacífica. O partido está muito dividido. O "velho" procurou que o partido ficasse unido antes de morrer. Mas não acredito que isso vá acontecer."