Dançar o êxodo

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Né Barros trabalhou com as espumas da artista lituana Patricija Gilytè - que, explica, permitem a "transmutação dos corpos"

Um milhão de lituanos emigraram no espaço de uma década. Em 4million, a coreógrafa portuguesa Né Barros e a artista plástica lituana Patricija Gilytè olham para eles.

Falar com alguém na Lituânia sem discutir o êxodo é tarefa praticamente impossível: no espaço de uma década, um milhão de lituanos emigraram daquele país. A coreógrafa portuguesa Né Barros, que foi a Kaunas para pensar num novo espectáculo, saiu de lá com a missão de reflectir sobre este movimento.

É o produto desse trabalho que vamos conhecer agora em Guimarães, com 4 million. A peça da coreógrafa do Porto, que inaugura a nova Caixa Negra da Plataforma das Artes e Criatividade, no antigo mercado de Guimarães (apresentações amanhã, às 20h, e no domingo, às 17h30 e 19h30, sempre com entrada gratuita), integra o programa da Contextile, cruzando a dança contemporânea com a arte têxtil - a estreia absoluta foi em Novembro do ano passado, na Lituânia, onde foi criada para o programa Play da Bienal de Kaunas, com bailarinos portugueses e locais. Para esta criação, Né Barros trabalhou também com a artista plástica lituana Patricija Gilytè, responsável pela cenografia. Desse encontro resultou não só um cruzamento entre linguagens artísticas, mas também de realidades sociais.

A questão da emigração na Lituânia foi um dos temas da primeira conversa entre as duas artistas. E começou desde logo a interessar a coreógrafa, que subitamente se viu próxima de temáticas que já tem explorado: a desterritorialização, as fronteiras, a paisagem, as deslocações. Sentiu-se também tentada a explorar os materiais com que Gilytè trabalha - a artista lituana usa preferencialmente espumas, que se adequam à abordagem cenográfica de Né Barros por serem "manipuláveis e permitirem a transmutação dos corpos".

Prolongando experiências anteriores da coreógrafa, 4 million é um espectáculo em que os bailarinos assumem, por um lado, a condição de caminhantes, mas também são eles próprios território. "Não se trata de uma ilustração ou de uma simbolização de um movimento migratório concreto, mas talvez de uma evocação mais transversal da deslocação, onde corpo e objecto se confundem", diz Né Barros.

A realidade social que inspirou a peça não é estranha a Patricija Gilytè, criadora da cenografia. A artista plástica, nascida em Kaunas, a segunda cidade do país, está radicada em Munique. Foi "à procura de melhores condições", que não encontrava no seu país.

Como ela, um milhão de pessoas fizeram o mesmo nos últimos anos. Adicionadas aos três milhões que vivem na Lituânia, totalizam os quatro milhões a que o título se refere. As autoridades do país estimam que todos os dias 228 pessoas emigrem (dados de 2010). Sobretudo jovens, entre os 25 e 35 anos, partindo com destino ao Reino Unido, aos Estados Unidos ou à Alemanha.

A Lituânia teve dificuldade em lidar com os choques do colapso soviético e da independência e a sua economia continua desequilibrada, com um salário mínimo que é metade do português. "Há tudo o que queremos comprar. Só não temos é dinheiro para fazê-lo", sintetiza ao Ípsilon a directora da Bienal de Kaunas, Virginia Vitkiene. S.S.

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