Corta e cola dá descoberta da Austrália aos portugueses
a Corria o ano da graça de 1522. Vindo de Malaca (actual Malásia), o navegador português Cristóvão de Mendonça com uma frota de quatro navios largou âncora na Baia da Neve, o local que o capitão inglês James Cook baptizou, 250 depois, como Botany Bay, o embrião da moderna Austrália. A tese de que foram os portugueses os primeiros europeus a pisar solo daquilo que é hoje o território australiano já tem barbas. O jornalista Peter Trickett repisou velhas teorias, cortou, colou e rodou a 90 graus uma carta marítima do século XVI com nomes em português para escrever o livro Beyond Capricorn, onde defende que Mendonça e a sua tripulação foram os primeiros a chegar às praias australianas. Especializado em jornalismo de ciência, Trickett andou literalmente às voltas com uma das cartas do Atlas de Vallard, um conjunto de 15 mapas que os historiadores aceitam terem sido feitos a partir de cartas portuguesas roubadas que representam o mundo tal como era conhecido até então. O mapa identificado como sendo de "Terra Java", ou "Java Maior", como lhe chamou Marco Polo, descreve 120 acidentes geográficos com nomes portugueses. Uma das partes assemelha-se com o recorte da actual Queensland, mas, em determinado ponto, o traçado deixa de encaixar com qualquer costa conhecida.
A teoria de Trickett é a de que os desenhadores franceses se enganaram a copiar as cartas portuguesas e, dessa forma, criaram uma costa fictícia, que acabaria vertida no mapa "Terra Java". O jornalista lembrou-se então de cortar o desenho em determinado ponto e rodar a parte inferior até obter uma linha costeira que, segundo a sua teoria, bate exactamente com a região este da Austrália. "O mapa ficou tão preciso que é possível apontar onde ficam as modernas pistas de aeroporto", disse à Reuters.
João Paulo Costa, historiador e professor de História da Expansão Portuguesa na Universidade Nova faz questão de lembrar que a tese de que os portugueses foram os primeiros a chegar à Austrália é tudo menos uma novidade. E aponta a entrada sobre Java no Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses (ed. Caminho, 1994) da autoria de Luiz Filipe Thomaz, como o texto de referência onde essa hipótese é abordada. Thomaz escreve que "a exploração da costa australiana pelos portugueses é sugerida por diversos indícios" como "achados arqueológicos, tradições dos aborígenes (...) e, sobretudo, pela cartografia da escola de Dieppe", localidade francesa onde foi feito o Atlas de Vallard.
Para João Paulo Costa, a teoria de Trickett "não acrescenta nada ao que se sabe". O historiador reconhece a importância do facto de quem chega primeiro, mas prefere sublinhar a diferença fundamental entre as hipóteses de portugueses e espanhóis, ao longo do século XVI, e holandeses, já no século XVII, terem tocado por várias vezes a costa australiana e o projecto de colonizar um território, como fez James Cook ao serviço da coroa britânica. "Os portugueses podem ter dado lá uns toques. Isso não dá necessariamente um descobrimento." Refere ainda como exemplo os holandeses que "nunca fizeram com que o avistamento daquelas terras desse numa descoberta no sentido de uma apropriação". "Os ingleses chegaram numa época diferente e com interesses diferentes", remata.