A selecção multikulti provoca reacções extremas
Os anarquistas não gostam das bandeiras de apoio - acham que é um sinal de nacionalismo perigoso. E os neonazis não apoiam uma selecção que dizem ser pouco alemã. O futebol desperta paixões. Na Alemanha, a selecção nacional com mais diversidade étnica de sempre tem provocado reacções extremas
A selecção da Alemanha que hoje enfrenta a Espanha é, provavelmente, a equipa com mais diversidade étnica deste Mundial de Futebol, e nunca houve outra assim no país. Muitos alemães gostam dela também por isso - finalmente reflecte o mosaico que é a sociedade da Alemanha, com a sua jovem geração multikulti (multicultural, no diminutivo usado pelos alemães). Mas o Mundial trouxe à luz do dia intolerâncias antigas: a extrema-direita diz que a equipa não é "suficientemente" alemã; a extrema-esquerda não consegue tolerar as bandeiras de quem apoia a selecção - e alguns anarquistas têm mesmo levado a cabo uma onda de ataques às bandeiras em zonas especialmente multiculturais.
Onze dos 23 jogadores que representam a Alemanha no Mundial na África do Sul têm background estrangeiro, de sete países diferentes. Há jogadores que nasceramfora, como Lukas Podolski e Miroslav Klose (Polónia), Cacau (Brasil) ou Marko Marin (Bósnia-Herzegovina), mas que vivem desde pequenos na Alemanha. Há ainda o caso curioso de Jerome Boateng, de ascendência ganesa, que joga pela Alemanha - enquanto o seu meio-irmão, Kevin-Prince, joga pelo Gana. Ambos nasceram e cresceram em Berlim, mas optaram por diferentes nacionalidades.
Outros jogadores nascidos na Alemanha têm um pai estrangeiro: Mario Gomez é filho de um espanhol; Sami Khedira, de um tunisino. Mesut Özil, uma das estrelas da selecção, tem ascendência turca (terceira geração na Alemanha).
A diversidade étnica fez com que muito mais alemães se identificassem com a selecção, talvez ainda mais no caso dos alemães de origem estrangeira. Mas nem sempre as expressões de apoio têm sido bem-vindas num país que tem, ainda, muitos problemas com expressões que possam ser de nacionalismo.
Um caso muito comentado na imprensa local foi o de Ibrahim Bassal, um alemão de ascendência libanesa, de 39 anos, que decidiu mostrar o seu apoio à equipa alemã com uma gigante bandeira de 22 metros de altura e cinco metros de largura colocada no prédio da sua loja na Sonenallee, na zona de Neuköln, em Berlim - uma zona em que 35 por cento da população é estrangeira, com registo de 160 nacionalidades.
Mas o pano gigante foi já duas vezes vítima do que os media chamam a "luta das bandeiras de Neuköln": activistas de extrema-esquerda fazem raides para destruir as que encontram nos carros, nas varandas, onde que quer seja. A de Bassal era um alvo óbvio. Bassal e os primos já tiveram de substituir o enorme pano com as cores da Alemanha duas vezes (pagaram 500 euros pelo primeiro, 750 pela segundo e 1500 pelo último). Agora, têm sempre alguém de guarda.
Num dos ataques, um homem gritou que a bandeira o fazia lembrar a II Guerra Mundial. E uma mulher entrou na loja e perguntou como era possível aquele tipo de exibição num país com uma História marcada pelas consequências terríveis do nacionalismo. Mas para Bassal não há nada de mal em orgulhar-se do seu país. "Vivemos na Alemanha e também pertencemos à Alemanha", declarou à revista Der Spiegel. "Eles vêem-nos como imigrantes", queixou-se ainda, desta vez ao jornal Berliner Morgenpost. "Não percebem que alemães que não são da Alemanha possam defender o país."
O porta-voz da Federação Turca de Berlim, Safter Cinar, acha que o facto de alemães de descendência estrangeira e a população imigrante estar orgulhosa da selecção é um bom sinal de integração. O facto de jogadores talentosos como Khedira ou Özil jogarem pela selecção alemã "mostra que os filhos de imigrantes têm hipóteses aqui", concluiu.
Que seja eliminada
As diferentes gerações têm atitudes distintas, que reflectem também o seu grau de integração. Um exemplo: o jornal britânico The Observer conta como o adolescente Yagiz Dogan, de 15 anos, cujo ídolo máximo é Özil, tem uma bandeira alemã pendurada na janela. A mãe, turca, não o entende (nem a ele nem ao jogador: acha que Özil devia estar a jogar pela Turquia).Bassal não tem dúvidas sobre o seu apoio à selecção alemã; o que o deixa baralhado são as atitudes dos seus concidadãos extremistas. O dono da loja de electrónica resume o seu dilema: "Para os fascistas, somos estrangeiros. Para os anarquistas, somos... Bem, na verdade não faço ideia do que eles acham que somos."
Outros extremistas que não estão contentes com a composição desta equipa são, claro, os neonazis. "Espero que esta equipa seja eliminada o mais cedo possível", escreveu um comentador de um fórum neonazi. "Ou que, pelo menos, não sejamos campeões com uma equipa em que metade são estrangeiros!"
O historiador Detlev Claussen explica que os neonazis querem que as selecções nacionais sejam baseadas na pureza étnica. Esta equipa "perturba toda a sua visão do mundo", comenta, em declarações à revista alemã Der Spiegel. Artigos como o publicado pelo tablóide Bild podem ajudar a alimentar essa ideia de que esta é uma selecção nacional pouco alemã: o jornal foi ver que jogadores acompanhavam o hino no início das partidas e chegou à conclusão que, dos que têm ascendência estrangeira, apenas Klose cantava.
A Alemanha já tem há muito uma grande diversidade étnica - mas as leis de naturalização demoraram a permitir que muitos residentes se tornassem alemães (há apenas dez anos, muitos destes jogadores não teriam conseguido a cidadania do país), e quando isto aconteceu, a equipa de futebol não demorou assim tanto a acompanhar a tendência.
No entanto, a discriminação não é exclusivo dos neonazis. Detlev Claussen conta como assistiu a uma troca de comentários entre um cliente e o dono numa banca de jornais, quando, ao comprar o Bild, um idoso se queixou, apontando para a imagem de Özil - que tinha marcado o golo da diferença nesse jogo com o Gana: "Teve de ser um turco a salvar-nos." O dono da loja disse apenas, calmamente: "Não é um turco, é um alemão."