Stephen Hawking quer mandar a humanidade para o espaço. E já
A única hipótese de sobrevivência para a espécie humana é a colonização espacial nos próximos 100 anos, diz o astrofísico. Mas não há aqui alguma falta de optimismo?
Ele acredita que devemos ter cuidado com os encontros com seres de outros planetas. "Só temos de olhar para nós para ver como a vida inteligente pode transformar-se em algo que não quereríamos conhecer", disse Stephen Hawking em Abril. Agora, o físico também pensa que a única forma de garantir a sobrevivência da espécie a longo prazo é "não continuar a olhar apenas para o planeta Terra, mas sim espalharmo-nos pelo espaço".
Um dos mais importantes e populares cientistas da nossa era, Stephen Hawking, 68 anos, é o autor de Uma Breve História do Tempo e de The Grand Design (editado no Reino Unido em Setembro). Quando disse, em entrevista ao site Big Think, divulgada segunda-feira pela AFP, que "vê grandes perigos" no futuro e estabeleceu paralelos com a crise dos mísseis de Cuba (1962) e respectiva Guerra Fria e temor nuclear, mostrou o seu descrédito na possibilidade de o homem evitar esgotar os recursos naturais do planeta e de lidar com a sobrepopulação, sem esquecer a iminência de uma guerra destruidora. "Estamos a entrar num período cada vez mais perigoso da nossa história", alertou. "A nossa população e o nosso uso dos recursos finitos do planeta Terra estão a crescer exponencialmente, em simultâneo com a nossa capacidade técnica para mudar o ambiente para o bem ou para o mal. Temos feito progressos notáveis nos últimos 100 anos. Mas se queremos continuar nos próximos 100, o nosso futuro está no espaço."
Optimista, diz ele
O físico, num dos seus mais negros avisos de sempre, disse ainda neste site que se foca na busca e debate de novas ideias, que houve uma série de momentos no passado em que a sobrevivência foi uma questão de sorte, dependeu de decisões momentâneas. "A crise dos mísseis de Cuba foi um deles. É provável que a frequência de tais ocasiões aumente no futuro", acrescenta. "Será só por si difícil evitar o desastre nos próximos 100 anos, quanto mais nos próximos milhares ou milhões [de anos]." Mas, acredite-se ou não, Hawking diz-seum optimista: "Se conseguirmos evitar a catástrofe nos próximos dois séculos, a nossa espécie deve permanecer segura à medida que nos espalharmos pelo espaço. A raça humana não deveria ter todos os seus ovos no mesmo cesto, ou num único planeta."
Para o coordenador do Programa Gulbenkian Ambiente, Viriato Soromenho Marques, "optimismo" não é a palavra em que pensa quando reflecte sobre a ideia de Stephen Hawking. "É uma fuga para a frente, uma ideia que revela falta de sabedoria num homem muito inteligente, mas sem senso comum", diz ao P2 por telefone. Para o professor da Faculdade de Letras da Universidade Nova de Lisboa, há que encarar os actuais problemas ambientais como consequência de "um modelo de civilização que foi definido há 200 anos e que nos tornou dependentes de combustíveis fósseis, do carbono", e pensar agora "numa solução que terá de ser tecnológica, mas sobretudo política, ética, jurídica - encarar um novo modus vivendi".
Menos duro é o astrónomo Pedro Russo, coordenador do Ano Internacional da Astronomia em 2009 e afiliado da União Astronómica Internacional, que diz ao P2 compreender as declarações de Hawking. Russo acredita que a comunidade científica está de acordo num ponto: "É preciso exploração espacial para responder às diferentes questões que o Universo ainda esconde." Mas, em termos práticos, a ideia de Hawking é exequível num momento em que a Agência Espacial Norte-Americana (NASA) está a conter orçamentos, em que os voos tripulados são alvo desses cortes e em que "tempo" é uma variável essencial?
Pedro Russo recorda que, apesar de a NASA e de a Agência Espacial Europeia (ESA) estarem em sintonia quanto às dificuldades de enviar missões tripuladas a Marte nas próximas duas décadas, como agendou em 2004 o então Presidente dos EUA George W. Bush, as declarações de Barack Obama são animadoras. O actual Presidente americano afirmou recentemente que, em meados de 2030, vamos estar preparados para enviar humanos para Marte. "Acredito que estamos próximos de ter a tecnologia certa para enviar estas missões, mas só a vontade política pode concretizar estes planos", diz o cientista. 2030, portanto, e um punhado de humanos.
A única alternativa
Falamos de Marte porque é a única alternativa, garante Soromenho Marques. "Vénus é o nosso futuro, é um planeta efeito estufa" e "não há tecnologia" para pensar de forma realista na colonização espacial em cerca de 100 anos. "Só [há tecnologia] para chegar a 2050 com uma economia que dependa muito menos (cerca de 35 por cento e não os 81 por cento actuais) do carbono", frisa.
Em termos de custos, a ideia de Hawking seria multimilionária. Pedro Russo fala apenas do que conhece: "As diferentes estimativas para enviar uma tripulação a Marte estão entre os 20 e os 450 mil milhões de euros." E temos tempo, afinal, para isto? "Para termos uma ideia das escalas de tempos e distâncias envolvidos, para chegar ao mais próximo planeta extra-solar (neste momento foram descobertos mais 470 destes planetas), que está a 10,5 anos-luz, seriam necessários 185 mil anos, a uma velocidade de 61.452 km/h, a velocidade da sonda espacial Voyager."
Um dos argumentos de Hawking é a defesa dos voos espaciais tripulados, o que faz Pedro Russo sublinhar que o astrofísico fala meras semanas depois de o presidente da Royal Society of Astronomy ter afirmado que os humanos não são necessários para a exploração espacial, confiante na tecnologia, e num momento em que o Reino Unido está a reestruturar a organização e financiamento das ciências espaciais. "O que cria algum nervosismo na comunidade. Acredito que estas declarações são o reflexo desse nervosismo", remata o astrónomo português.
Para Viriato Soromenho Marques, a ideia de colonizar o espaço nos próximos 100 anos é, "do ponto de vista científico, um projecto fantasista e, do ponto de vista político, irrealizável - seria um processo hiperelitista, uma Arca de Noé".