Jeniffer queria ser famosa, mas saltou de um 15º andar. Ou não?
O mistério da morte da manequim de 17 anos envolve traições, festas, álcool, luxo, violência e um testemunho que lançou a dúvida sobre a tese inicial de suicídio. "Era uma rapariga super-feliz que recuperava daquilo que lhe fazia o Miguel sempre com um sorriso na cara", diz uma amiga. "Pendurei-me naquela mesma janela para fugir dele", diz uma mulher não identificada
Com uma estranha serenidade, o pai relata a conversa da miúda que, há uma semana, havia de se tornar famosa depois de voar para a morte do topo de um prédio do Parque das Nações, com 17 anos de idade. "Papai, eu um dia te vou ajudar", disse ela. Na altura Jeniffer Viturino ainda não era uma radiosa modelo em ascensão. Era apenas uma menina da classe média-baixa que vivia com os pais e o irmão nas imediações da cidade brasileira de Vitória, no estado de São Paulo, e que tinha um sonho: ser uma manequim famosa e sustentar a família, como Gisele Bündchen, também fruto de uma família pouco abonada e, mais tarde, uma das super-modelos mais bem pagas do mundo.
"Com essa carinha, ainda vais ser modelo", diziam a Jeniffer desde os sete anos. E ela acreditou que um dia havia de chegar lá. Só que os sacrifícios pareciam não ter fim e não havia maneira de a vida melhorar. Solange, a mãe, deixou a oficina de montagem e reparação de persianas onde ajudava o marido para vir tentar a sorte em Portugal. Ajudados a criar por uma tia, a menina e o irmão, dois anos mais velho, acabaram por se juntar à mãe algum tempo depois, tinha Jeniffer de 13 para 14 anos. "Eu tinha dentro de mim que os meus filhos haviam de ter os estudos de que eu não tive oportunidade", diz o pai, Girley, que ficou à espera de vir, mais tarde, a juntar-se à família.
Em Portugal a vida continuava a ser dura para a família Viturino, feita de casas partilhadas com conterrâneos para aliviar o peso da renda. No caso dos dois adolescentes, houve também o choque com um sistema de ensino diferente e no 7º ano, o primeiro que frequentou em Portugal, Jeniffer chumbou. No armazém de criação de aves ornamentais do Lumiar onde ainda hoje trabalha, Solange vendia todas as férias para pagar o sonho da sua menina. Foram cinco anos sem descansar: "Vendi sempre as minhas férias p"ra dar o melhor p"ra ela."
Eram precisos cursos de passerelle, sessões fotográficas, ter a moça sempre bem apresentada, pagar as deslocações necessárias para este ou aquele concurso de beleza... Mas, à medida que a menina se torna mulher os esforços redobrados começam a dar frutos. As fotos do momento em que ganha o título de Miss Póvoa de Santo Adrião 2009 não mascaram os apenas 16 anos que tinha na altura, mas desse Verão em diante as aparições profissionais de Jeniffer mostram já uma mulher feita, aparentando muito mais idade. A mãe incentiva-a: "Tudo o que era importante p"ra ela eu permitia."
Lá longe, do outro lado do oceano, o pai assiste ao desfile em directo pela Internet, orgulhoso do sucesso da sua menina.
É no Verão de 2009 que, depois de ter entrado no concurso Belas e Perigosas, do extinto diário 24 Horas, ruma ao Algarve. Em Lisboa, a mãe continua a sua labuta para que não falte nada a ela nem ao irmão. Quando se cruzam com Solange na rua, há amigas que a acham cada vez mais triste, completamente diferente da mulher alegre que desembarcou em Portugal. Diz-lhes que não é nada, só cansaço.
São 365 dias por ano a caminhar para o armazém, ou perto disso, já que aos sábados, domingos e feriados os bichos também comem. "Estar com as aves dá-me uma calma tão grande...", comenta. Entretanto, consegue mudar com os filhos para uma casa maior. O marido é que já não há-de lá vir a morar, como tinham planeado: a distância mata muitas coisas, e Solange já conheceu aquele que se há-de tornar, mesmo sem papel assinado, no padrasto de Jeniffer e do seu irmão Jonathan.
Numa das discotecas algarvias mais badaladas de sempre, o Sasha, Jeniffer conhece o empresário do ramo aeronáutico Miguel Alves da Silva. O herdeiro abastado tem quase o dobro da sua idade, 29 anos, mas isso não choca a mãe quando, meses mais tarde, a filha lhe apresenta o novo namorado. "Fiquei com boa impressão, era - e continua a ser - uma pessoa super-educada. Se não era demasiado velho? Isso é preconceito, o gostar não tem idade", declara ainda hoje, depois do sucedido.
85 euros de cada vez
Continuam os desfiles, as viagens e as presenças neste e naquele evento onde as caras bonitas são bem pagas. Dois meses antes de morrer, Jeniffer faz a capa da revista J do desportivo O Jogo, com imagens que deixam muito pouco por revelar à imaginação dos leitores. Os estudos na secundária Padre António Vieira vão seguindo sem mais reprovações, agora num curso profissional de desenho digital. O futuro, esse está em suspenso. "Ela achava que não era capaz de entrar na faculdade", diz o pai.Vanessa Veloso, directora da agência Just Models, para a qual Jeniffer fazia trabalhos, explica que nunca contou com a manequim a cem por cento, por causa das suas limitações: "Tinha a escola como prioridade." A descrição que a responsável da agência faz da rapariga coincide com aquilo que dizem a família e amigos: uma pessoa alegre, bem disposta. "Andava sempre sorridente e cheia de vida. Espalhava simpatia por onde passava", confirma Estefânia Rodrigues, uma colega da escola que lançou um repto a quem quiser homenagear Jeniffer: usar uma camisola estampada com uma foto sua na próxima terça-feira. "Apesar de parecer ter mais idade, se calhar não passava de uma criança", sublinha Vanessa Veloso.
A relações-públicas Helga Barroso, agora divorciada de Luís Evaristo, um dos proprietários da discoteca Sasha, foi quem levou Jeniffer para o concurso Belas e Perigosas, e contratava-a para serviços pontuais nesta ou aquela festa. "Era uma miúda muito querida e vistosa. Fiquei muito chocada com o que aconteceu", observa. Outro serviço bem pago eram as noites nas Docas.
Ficar duas ou três horas a conversar e a dançar num dos bares de Alcântara rendia 85 euros de cada vez, revela uma amiga da manequim que trabalhava no mesmo local. "Pelas conversas dela percebi que o Miguel, que também conheci no mesmo bar, lhe batia. Ainda há um ou dois meses me tinha mostrado uma nódoa negra numa anca".
Os ciúmes eram, segundo esta amiga, o principal motivo das fúrias de Miguel, especialmente quando bebia. E drogas, havia? "Prefiro não falar sobre isso", responde a rapariga. Com o cenário que descreve, não acredita na tese do suicídio: "Era uma rapariga super-feliz que recuperava daquilo que lhe fazia o Miguel sempre com um sorriso na cara."
O empresário do ramo aeronáutico - que se recusou a prestar de declarações ao PÚBLICO - tinha outras namoradas além de Jeniffer. "Claro que ela sabia", diz a mesma amiga. "Mas tinha um amor obsessivo por ele. Tenho a certeza que não era por dinheiro que estava com o Miguel".
Agressões e perdão
Houve um dia em que a mãe de Jeniffer chegou a saber das agressões. "Foi em Maio de 2010, talvez em Junho", lembra. Com cara e corpo de mulher, a menina que não havia de chegar à maioridade tinha então acabado de fazer 17 anos. "Chegou às seis ou sete da manhã e eu estava a dormir na sala, porque tinha tido de alugar um quarto a uma amiga. Chegou-se ao pé de mim e disse: "Mãe, tenho de te falar uma coisa. Fui agredida pelo Miguel. Agora vou descansar"." Só horas mais tarde, quando a filha acordou, Solange soube dos pormenores: numa festa privada em Cascais, em mais um ataque de ciúmes, Jeniffer tinha sido atirada com força contra os armários da cozinha da casa. "Estou dorida, mas não tenho nada partido", terá dito à mãe.Depois de pensar no assunto, decide não apresentar queixa na polícia, para não causar problemas ao namorado, já com reputação de ter batido em namoradas anteriores. E a decisão da filha não inquietou especialmente Solange. "Pensei que as coisas entre eles tinham acabado, mas ele pediu-lhe perdão e ela perdoou-lhe", prossegue Solange. Daí em diante, garante que nunca mais ouviu falar de agressões. "Dizia que ele tinha mudado. Também lhe pediu para nunca mais usar drogas à frente dela." Solange também garante que Jeniffer nunca se importou com a existência de outras mulheres na vida de Miguel. "E dizia-me que não era o dinheiro dele que a fazia feliz, apesar de gostar de frequentar lugares caros. Que era mesmo ele."
Ao contrário da amiga com quem Jeniffer trabalhava nas Docas, Solange não descarta a possibilidade de a filha se ter mesmo atirado do apartamento de luxo no topo de uma das torres do Centro Comercial Vasco da Gama onde Miguel morava. Afinal depois de muitas zangas e reconciliações o namorado tinha nessa noite posto um ponto final definitivo na relação entre os dois, dizendo-lhe que ia assumir publicamente uma nova namorada, explica Solange. Ou, pelo menos, foi isso que o empresário lhe contou mais tarde, depois de tudo acontecer. "Num momento de raiva e desespero, por tudo ter acabado, acredito que se tenha atirado. Ela estava tão apaixonada e da maneira como era impulsiva...".
O pai de Jeniffer discorda: "Tenho a certeza que a minha filha não se suicidou." Girley acha que a filha foi empurrada da varanda. Se Miguel descobriu o corpo na sexta-feira de manhã, como afirma, como é que só à hora de almoço avisou a mãe da rapariga sobre o que se tinha passado?, interroga.
Certo é que na sua derradeira noite , a 7 de Abril, a manequim voltou a sair com o namorado para irem a mais uma festa. "A gente se chateou, mas já tá tudo bem", tinha dito à mãe. O rompimento terá acontecido a seguir, já no apartamento de luxo de Miguel, e, ainda de acordo com o relato que este fez a Solange, a manequim insistiu mesmo assim em dormir lá em casa, tendo-lhe ele imposto que ficasse então na sala.
Segundo esta mesma versão - que terá transmitido às autoridades quando mais tarde foi interrogado -, quando acordou Miguel tinha um bilhete de despedida e o corpo de Jennifer jazia 15 andares abaixo. A mãe recorda o que dizia a nota, na qual reconheceu a caligrafia de Jeniffer: "Que estava cansada de sofrer e que era a única culpada de o relacionamento com ele não ter dado certo. E pedia-me desculpa pelo seu acto." O que Solange não reconheceu foi o tom desesperado da missiva, tão pouco próprio da menina sempre alegre que todos conheciam.
Acabada de mudar com o resto da família para um espaçoso apartamento no Lumiar poucos dias antes do trágico acontecimento, a empregada do armazém de aves ornamentais assegura que Miguel nunca prestou auxílio financeiro nem à namorada nem ao resto da família Viturino. "Não há indícios da intervenção de uma terceira pessoa nesta morte", começou por anunciar a Polícia Judiciária no início das investigações. Mas a meio da semana as declarações de uma ex-namorada de Miguel ao Correio da Manhã podem ter baralhado tudo. "Pendurei-me naquela mesma janela para fugir dele", relatou a mulher não identificada. "Agredia-me muito e, no dia em que me trancou no quarto, atei vários lençóis à janela, pendurei-me tentei descer para o andar de baixo do duplex, com medo."
Daqui a menos de um mês, a 13 de Maio, Jeniffer faria 18 anos. Queria o novo quarto pintado de cor-de-rosa.
Foi um pastor adventista, o credo religioso adoptado pelos pais, que presidiu à sua cerimónia fúnebre. "Às vezes não sei se devemos chorar pelos mortos, cujas complicações nesta vida já cessaram, ou pelos vivos", declarou enquanto o caixão descia à terra.