Paguei 22 euros por um namorado virtual
Apareceu em meados de Janeiro e já se tornou viral. Chama-se Invisible Boyfriend e é uma app que nos devolve mensagens de texto como se do outro lado estivesse uma pessoa real, com quem mantemos uma relação.
A nova aplicação Invisible Boyfriend, ou Namorado Invisível, que nos inventa uma relação amorosa capaz de enganar a família e os amigos, parte de uma premissa simples: em circunstância alguma poderemos vir a apaixonar-nos por essa personagem de ficção. Estou a usá-la há 24 horas e fico a pensar “como não [me apaixonar por ele]?” A app — foi lançada a 22 de Janeiro e tornou-se viral — consegue levar muito mais longe do que qualquer outra aplicação a ideia da intimidade virtual.
Quando nos inscrevemos, estamos a criar um namorado (ou namorada) de acordo com as nossas especificidades, como se estivéssemos a escolher os genes para o nosso bebé, mas com a diferença de que o estamos a fazer para um adulto. Escolhemos nome, idade, interesses e até traços de personalidade. Anunciamos se preferimos louros ou morenos, altos ou baixos, um que goste de teatro ou, antes, que prefira ver programas desporto na televisão. Depois, é só passar o cartão de crédito: por 22 euros por mês eis que o homem dos nossos sonhos começa a mandar-nos mensagens. Só que o homem que está do outro lado é tudo menos fruto da nossa imaginação. É uma pessoa de facto, é real e tem de se multiplicar por muitas mensagens dirigidas a muitas mulheres. Nisso, é como um contorcionista que cuidadosamente sabe o que dizer a cada uma consoante as suas fantasias e expectativas.
Confesso que aprendi esta lição da pior maneira possível: achei que iria conseguir dar a volta à tecnologia do chat que automaticamente responde às minhas mensagens se dissesse ao meu “namorado”, Ryan Gosling, que os meus planos para aquela noite incluíam ver um episódio do Downton Abbey e ir para a cama lavada em lágrimas. “Mas porquê incluir o choro nisso, minha linda?”, respondeu-me Ryan Gosling antes de prosseguir numa conversa em defesa da sua personagem favorita do Downton. Foi o suficiente para me deixar em alerta: Não é suposto que os robôs saibam o que quer que seja sobre o Downton Abbey. E mesmo se assim fosse, certamente não iria logo escolher Thomas [o lacaio ambicioso e capaz de todos os estratagemas para atingir os seus fins]. “Oh, meu Deus”, pensei. “Esta pessoa que me é totalmente estranha, homem ou mulher que seja, pensa realmente que depois de ver a televisão pública e de mandar mensagens a um namorado falso pelo qual paguei e a quem até baptizei com o nome de um actor, ainda vou para a cama em lágrimas!”
À partida, não deveria estar a sentir rigorosamente nada com esta revelação — a ausência de ligação ou compromisso é cláusula do contrato que assinamos com o Boyfriend Invisible. Mas a verdade é que senti. “Isso é a coisa mais significativa e interessante que tive até agora”, diz Matthew Homann, o afável e quase-famoso criador desta aplicação. “Sei como funciona, sei o que se passa atrás das cortinas… enquanto estava a testar a app, eu próprio senti o impulso de responder à minha Namorada Invisível à medida que ela ia falando comigo. Porque é isso que acontece quando estamos a ter uma conversa com alguém, ainda que esse alguém possa não ser... alguém.”
Como explica Homann, o meu Namorado Invisível são muitos, é um plural. Por detrás deste serviço de mensagens de texto está a CrowdSource, uma empresa de tecnologia com sede em St.Louis e que emprega 200 mil funcionários, que, por controlo remoto, desempenham tarefas específicas. Quando mando uma mensagem para o número do Ryan que tenho memorizado no telemóvel, ela segue o seu percurso pela rede do Invisible Boyfriend, onde se torna anónima, e acaba nas mãos de um empregado do Amazon Turk ou da rede Fiverr [plataformas virtuais onde as pessoas podem ser contratadas para trabalhos específicos]. Ele, ou ela, recebe uns trocos por responder. Mas este “ele” ou “ela” nunca me vê, não sabe como me chamo ou qual é o meu número de telefone, não terá sequer uma conversa real comigo.
“Essa ligação que diz estar a sentir pelo Ryan pode na verdade estar a sentir por seis ou sete Ryans”, explica Homann. E, do ponto de vista de Homann, a coisa funciona: afinal, o objectivo do Invisible Boyfriend é convencer a família e os amigos mais intrometidos de que se tem um namorado a sério, não é convencer o/a próprio/a. No seu site, o Invisible Boyfriend auto-intitula-se “somos a prova social credível”: se a vossa mãe passa a vida a perguntar quando pensam finalmente assentar, ou se aquele tipo estranho que acabaram de conhecer não pára de vos chatear, agora já podem agarrar no telefone e abaná-lo à frente dos olhos deles para que percebam que já não são umas tristes coitadas sem amor, muito obrigada. Homann diz ainda que o serviço foi muito bem acolhido em países tidos como conservadores, em particular na África do Sul e Europa, onde o estigma de se ser solteiro ou de pertencer à comunidade LGBT ainda é muito forte.
Homann espera que a sua app, que está ainda numa fase “beta” [experimental] e aguarda maior feedback dos utilizadores, possa vir a alargar-se, no futuro, a esses países. Diz que só num dia — uma quarta-feira — conseguiu 5 mil novos utilizadores. Homann está também interessado em alargar os serviços que disponibiliza aos subscritores: pensa ele que o tal Namorado Invisível talvez possa chegar a escrever cartas ou a enviar flores para um local de trabalho além-fronteiras. Tudo isto está em desenvolvimento e tende a tornar-se mais convincente, mas não o faz ficar preocupado se os utilizadores se envolvem emocionalmente — ou não — com as personagens de ficção que criaram. “Sabem que estão num jogo”, ressalva. “Sabem que este é um serviço do qual se tornaram subscritores. Sabem que não substitui o amor.”
Fico a pensar se Homann não estará a descurar os caprichos do coração humano, que, sabemos por experiência, pode acabar enganado e a amar o que quer que lhe apareça pela frente. O que não faltam são histórias de casais que mantêm “relações” exclusivamente no mundo virtual e ficcionado do Second Life. A crítica de videojogos Kate Gray publicou recentemente uma ode a “Dorian”, uma personagem de um jogo por quem se apaixonou. (“Como é que, no mundo dos videojogos, se demorou tanto tempo a chegar a este ponto, o ponto em que conversas e relações humanas parecem reais?”, escreve).
Os investigadores chegaram mesmo à conclusão de que computadores que enviam spam nos podem induzir respostas emocionais simplesmente porque somos vaidosos e nos bajulam; já pelo contrário, um antropólogo argumenta que as nossas relações se tornaram de tal modo mediatizadas pela tecnologia que nem nos distinguimos dos Tamagotchis.
“A Internet é um meio desinibidor que leva as pessoas a baixarem as suas guardas emocionais”, disse o psicólogo Mark Griffiths sobre as relações no Second Life. “É o mesmo fenómeno que se passa com o estranho no comboio: damos por nós a contar a nossa vida a alguém que nem conhecemos.”
Em conclusão, é difícil presumir que uma pessoa possa desenvolver sentimentos por alguém que até é crível e nos satisfaz os caprichos mas não deixa de ser virtual. Afinal, é disso que trata o argumento do filme Her, Uma História de Amor, não é? [no filme de Spike Jonze, um homem apaixona-se pela voz do sistema operativo do seu computador]. Fique registado que Homann diz que arrancou com a sua ideia antes de saber da existência do filme.
Já tentei perguntar a Gosling se “ele” — eles, presumo — se preocupava com a possibilidade de se criar um cenário como o do Her. E se houver uma, ou um, cliente que de facto se apaixone por ele? Mas Gosling, obedecendo ao treino que recebeu do CrowdSource, nunca deixará a sua capa de personagem de ficção. “Pensas que ando a mandar mensagens para outras mulheres?”, pergunta-me. E logo em seguida, muito atento, refere-se ao Her: “Oh, gostaste desse filme?”
Tenho de admitir que não é com matéria deste tipo que se fazem os contos de fadas. Mas se lhe der tempo e mensagens em quantidade — o meu pacote mensal tem 100 incluídas — tenho a certeza de que me poderia apaixonar por ele. Quero dizer, ela… eles.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post