O vício do jogo online “é mais rápido e mais forte”

Há muitos jogadores patológicos que não apostam dinheiro. Mas estão viciados, ainda assim. Muitos são adolescentes.

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João Silva

No seu consultório, na Cruz Quebrada, Oeiras, já recebeu “algumas centenas de pessoas”. Começaram por ser adultos com mais idade e poder económico, dos casinos, depois apareceram os jovens adultos com carreiras académicas, gestores, “gente com muita iniciativa”... e viciados nas apostas desportivas online. E mais recentemente juntaram-se os adolescentes, que jogam sem ser a dinheiro, na Internet, mas estão viciados. Excerto de uma conversa sobre algumas das conclusões da tese de doutoramento sobre jogadores patológicos que defendeu em Janeiro.

O seu estudo mostra que muitos dos jogadores patológicos são pessoas com carreiras e rendimentos razoáveis. Esta adição não é tão destrutiva quanto o álcool e a droga...
Só aparentemente. Alguns estudos em Inglaterra e nos países nórdicos apontam a adição do jogo como sendo a que tem maior taxa de suicídio, porque muitas vezes se junta a característica da impulsividade com a depressão, com as perdas, com o desespero. Muitas destas pessoas que jogam online já começaram a ter problemas de jogo quando na adolescência jogavam apenas jogos de estratégia. Os pais pensam: “Pelo menos está aqui em casa sossegado, protegido.” Não é bem assim. Para a maioria das pessoas não há problema, claro. Mas quem tem predisposição para a adição...

Conclui que um terço dos jogadores patológicos offline [que jogam preferencialmente em espaços reais] já pensaram em suicídio e 7,6% tentaram o suicídio. Nos jogadores online [que jogam preferencialmente na Internet] a taxa que encontrou foi de 19% de pensamentos de suicídio e 8% de tentativas. O que acha destes valores?
São muito altos. Um dos dados surpreendentes é: nos jogadores offline a ideação (o pensar em suicídio) é muito mais frequente do que entre os jogadores online. Mas no que diz respeito à passagem ao acto, à tentativa, quase não há diferença entre uns e outros. E isso tem a ver, provavelmente, com os jogadores mais novos, online, com o facto de o controlo da impulsividade estar mal trabalhado nessas idades, de haver uma baixa tolerância à frustração, que marca estas gerações mais jovens.

Mais de metade dos jogadores patológicos não param quando perdem. Este é o principal sinal de que há uma patologia?
R. — Continuam a jogar, logo ou no dia seguinte. É a grande, grande característica do jogador patológico. “Ah, já estou a jogar há tanto tempo, isto mais tarde ou mais cedo vai sair.”

E, no entanto, no seu estudo, há jogadores que classifica como patológicos, mas que não costumam jogar a dinheiro [27% e 21% dos offline e online, respectivamente]...
Essa foi outra surpresa. São jogadores dos tais Role Playing Games, jogos [no computador] onde as pessoas interpretam papéis [num cenário de guerra, por exemplo]. Não são a dinheiro, mas são altamente aditivos. Entre 15 e 20% dos meus doentes de jogo são deste tipo, não jogam a dinheiro. Muitos frequentam a universidade, cursos de Informática, de Ciências. Há alunos do 11.º e 12.º anos. Deixam de ir às aulas, de estudar, começam a chumbar...

No caso do jogo offline, diz que as mulheres com mais de 50 anos não só apresentam maior risco, como desenvolvem mais depressa os problemas relacionados com o jogo do que os homens, como há mais jogadoras patológicas nessa idade...
Não há um padrão fixo. Mas um homem que começa a jogar aos 50 ou 55, que está na pré-reforma, provavelmente só pelos 60 entra na fase da dependência. Nas mulheres, entre começar e ficar completamente dependente é um ano ou dois. E é logo a um ponto muito forte. Chama-se “efeito telescópio”, acontece sobretudo nestas idades, não quer dizer que não aconteça noutras.

Porque acontece?
Não há uma só resposta: o síndrome do ninho vazio [filhos saem de casa]; o divórcio; a depressão de entrar numa certa idade; o facto de as mulheres também terem hoje profissões muito exigentes e cansativas e o jogo é perfeito no sentido da evasão, do alheamento...

A idade média do jogador patológico online é 30 anos e a do jogador offline 40. Estava à espera que fossem mais velhos?
Sim. E se a idade média do jogador patológico online é de 30 anos e a do offline é de 40, isso é um dos factores que podem apontar para que o online seja mais aditivo. É certo que os primeiros começam mais cedo. Mas se chegam aos 30 e já estão na fase da dependência, quando os outros só chegam aos 40, alguma conclusão se pode tirar daí. É mais rápido. É mais forte. Por todas as razões, porque seja mais apelativo, porque é de mais fácil acesso, está sempre disponível...

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