O carro do futuro da Mercedes é feito com tecnologia de Braga

A tecnologia touchscreen está nos bolsos de milhões, mas a Edigma levou-a para outra escala.

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A empresa está a antecipar a chegada dos ecrãs touch ao mundo das televisões, que acredita estar para breve Maria João Gala

Com um simples toque nos ecrãs colocados nas portas ou no painel frontal, os passageiros deste automóvel de condução autónoma podem consultar mapas, ver filmes, aceder a páginas da internet ou a tudo o que hoje se pode encontrar num smartphone. Entre os escassos fornecedores da “tecnologia projectada capacitiva” existentes no mundo, a Mercedes escolheu a Displax da Edigma, uma empresa de Braga que em 2014 celebrou o seu décimo aniversário. Por ser das poucas empresas do mundo capaz de produzir tecnologia touch em grandes formatos. E por ser flexível e fiável, garante o seu CEO, Miguel Fonseca.

À primeira vista, o produto que a Edigma exporta desde a zona industrial de Adaúfe, perto de Braga, espanta pela sua vulgaridade. Resume-se a um enorme rectângulo de plástico transparente, com uma tira castanha, também de plástico na sua banda inferior. Mas quem olhar com detalhe para esse pedaço transparente há-de notar qualquer coisa de estranho no seu interior. Pequenos cabos de cobre, com uma espessura muito inferior à de um cabelo, preenchem toda a sua superfície, desenhando rectângulos, linhas contínuas, alguns exíguos quadrados. Depois, quem reparar na tira castanha com mais pormenor há-de constatar que se parece a uma pequena central de comunicação que liga os fios minúsculos do rectângulo a uma placa informática que reúne toda a informação que eles captam, processa-a e envia-a para o sistema operativo de um computador.  

Essas películas com sensores que reagem às descargas eléctricas provocadas pelo toque de um dedo ficam debaixo do vidro dos aparelhos electrónicos e não são muito diferentes das que existem nos telemóveis da nova geração. O que torna os produtos da Edigma raros em todo o mundo é a sua capacidade de produzir películas para ecrãs de grandes dimensões nos mais estranhos formatos. “Há mais duas ou três empresas a fazer grandes formatos, em Inglaterra ou no Japão, mas nós somos mais flexíveis”, explica Miguel Fonseca. Da unidade instalada no parque industrial de Adaúfe tanto podem sair rectângulos com lados curtos ou meias-esferas representando a Terra, como a que o magnata russo Roman Abramovich encomendou especialmente para o seu iate de luxo.

Com a consolidação da sua tecnologia, os produtos da Edigma começaram-se a tornar frequentes no quotidiano. Encontram-se nos ecrãs interactivos de centros comerciais como o Mar Shopping ou o Shopping das Amoreiras, nos aeroportos de Lisboa ou Faro ou em vários museus. A apresentação mundial do Windows 8 em Londres fez-se em ecrãs touch com tecnologia de Braga. E, muito em breve, os noticiários da BBC vão contar com o apoio de ecrãs interactivos para os quais a Edigma forneceu as suas películas com sensores. O aumento da procura internacional tem levado a companhia a crescer em média 50% todos os anos. Em 2014 o volume de negócios ascendeu a seis milhões de euros e este ano este valor deverá subir para 10 milhões. Em 2020 a empresa espera facturar 100 milhões.

O principal trunfo para esta confiança reside no último avanço da tecnologia Displax. Apresentado no final do ano passado, o Displax Skin Ultra permite que se conjuguem 100 toques simultâneos num ecrã, com uma capacidade de resposta em cinco milissegundos. Para a empresa, esta é a oportunidade de antecipar a chegada dos ecrãs touch ao mundo das televisões, que Miguel Fonseca acredita estar para breve. Os seus novos formatos das películas estão já ajustados aos tamanhos dos ecrãs dos principais fabricantes mundiais de LCD, a tecnologia que domina a indústria dos aparelhos de televisão. Quando as televisões entrarem no mundo da interactividade táctil, a Edigma estará na vanguarda da oferta de soluções. “Não vai demorar muito tempo até que isso aconteça. Em breve, os professores vão poder recorrer aos ecrãs interactivos para as crianças fazerem os trabalhos de casa, por exemplo”, acredita Miguel Fonseca. Antecipando esse dia, a empresa de Braga tem-se multiplicado em contactos com os gigantes coreanos e chineses que dominam a indústria dos LCD.

Para dar consistência à sua estratégia, a Edigma redobrou a sua aposta na rede comercial. “O facto de termos tecnologia não significa que tenhamos uma boa base” para crescer, diz Miguel Fonseca. “É fundamental dispor de canais de distribuição”. Para esse efeito, a empresa contratou um director comercial inglês e nomeou como chairman Jon Castor, um norte-americano de Silicon Valley com um profundo conhecimento do negócio do touchscreen que liderou processos de fusões e aquisições no valor de dois mil milhões de dólares (1760 milhões de euros, ao câmbio actual). “Para lá de partilhar connosco a mesma visão sobre o futuro dos ecrãs de grandes formatos, Jon Castor facilita imenso o contacto com parceiros fundamentais”, explica Miguel Fonseca.

Uma década de pequenos passos
As expectativas de crescimento da Edigma são para os seus responsáveis o corolário lógico de um longo processo de aprendizagem e de investimento. Até poder exportar tecnologia para cerca de 100 mercados e estar na curta lista das fornecedoras de películas para ecrãs tácteis, a empresa de Braga passou por etapas que exigiram audácia, intuição, talento e o apoio da Universidade do Minho e da sociedade de capital de risco Portugal Ventures, que ainda controla uma parte do capital da empresa.

Tudo começou quando três jovens de Braga, dois licenciados em gestão e um em ciências de computação decidiram criar uma empresa de conteúdos para a internet – desse grupo de fundadores restam os gestores Miguel Fonseca e Miguel Oliveira. Por essa altura souberam de uma experiência na Universidade do Minho que visava a criação de montras interactivas. “Era uma novidade que consistia na colocação de duas câmaras a filmar o ecrã onde as pessoas tocavam e enviava essa localização para um computador”, recorda Miguel Fonseca. Os três jovens investiram no desenvolvimento desse conceito, ficando com os direitos de comercialização do novo produto. “Foi um sucesso. Na primeira feira em que participámos vendemos 100 mil euros”, diz o CEO da Edigma.

A experiência fez esquecer as ideias dos conteúdos. O futuro estava nos ecrãs interactivos. E o caminho para lá chegar encontrava-se nos grandes formatos. “O problema era encontrar uma forma de evitar que se quebrassem, dadas as suas dimensões”, nota Miguel Fonseca. Um dia, o engenheiro que chefia a área técnica chegou à empresa e disse ter encontrado a solução. A Displax nascera. Faltavam apenas recursos para passar à fase de industrialização e foi então que a Portugal Ventures entrou em cena. Foram compradas máquinas, as instalações duplicaram e a Edigma começou a pensar no salto que a levaria para os formatos da televisão. Uma revista norte-americana, a Red Herring, tinha já incluído a empresa na lista das 100 empresas europeias mais promissoras – em 2010.

Com 60 trabalhadores, na sua maior parte engenheiros da Universidade do Minho, a Edigma sente-se agora em condições para dar o salto para outra dimensão. Em estudo está a construção de uma nova unidade de raiz, que deverá custar até 10 milhões de euros. O ritmo de crescimento do número de trabalhadores vai manter-se e os negócios continuam a crescer a um forte ritmo – 50% ou mais por ano. Quando há pouco mais de uma década Miguel Fonseca e Miguel Oliveira viram duas câmaras apontadas para um ecrã dificilmente poderiam imaginar que essa experiência universitária os levaria tão longe. Até ao admirável novo mundo da interactividade da era digital.

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